segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Sobre tragédias, humanidade, e esperança

Não sou de me comover fácil. Não que eu seja insensível, longe disso, frequentemente me emociono, mas os apelos televisivos e midiáticos como um todo raramente me alcançam. Um exemplo disso é o tal caso Isabella, de uns anos atrás. Enquanto todo o país viu-se envolvido na rede midiática promovida pelos meios de comunicação, em busca de audiência, a mim só enfadeceu. Me comovi com as pessoas humanas que haviam por detrás daquilo, que em nenhum momento foram verdadeiramente mostradas, mas não com o espetáculo. No entanto, dessa dez me comovi, como o mais emocional telespectador dos showrnais (junção de show+jornal). Haiti. É impossível ficar indiferente, ou comover-se à distancia, é impossível não pensar sobre essa terra arrasada.
Terra arrasada, literalmente. Uma catrátrofe natural e sobretudo social. E estou falando de antes do terremoto. É quase como uma terra esquecida por Deus. 80% da população está abaixo da linha da pobreza, ou seja, na definição de "miséria absoluta". Em um país predominantemente negro, uma pequena elite branca governa há (literalmente) séculos, sempre roubando as poucas riquezas para si. O país não tem nada. Não tem potencial agrícola, industrial, comercial, ou de turismo. Absolutamente nada. O solo, mal-tratado há séculos, é absolutamente nulo. Não há como se plantar nada naquele solo. Não há eletricidade nas ruas da capital, nem se fala no interior. Não existe postes elétricos nas ruas. E veja, isso é o cenário anterior ao terremoto. A principal fonte de energia é o carvão. A água também é condicionada, de difícil acesso à população. E isso anda é o cenário antes do terremoto. Conta o jornalista Luiz Carlos Azenha, em seu blog, de quando foi cobrir a visita do presidente Lula ao país, em 2005. Na sala de imprensa não havia água para os jornalistas; na busca por água, aventurou-se pela cozinha do palácio, onde testemunhou o serviço de copa enxendo as garrafas d'água que seriam colocadas à mesa da recepção aos Chefes de Estado com água da pia, segundo ele, "de origem duvidosa". Serviram água da pia aos presidentes (do Haiti e do Brasil) e respectivas comissões. Imaginem a população. E isso antes do terremoto. Já não bastasse a destruição feita pela próprio homem, então vem a destruição da natureza. Nos últimos anos, 3 (três!) fortes furacões já atingiram a região, deixando devastação. E agora, o terremoto. Diz as primeiras previsões (somente as primeiras; geralmente elas aumentam depois) que o números de mortos é entre 100 e 140 mil mortos. 100 mil mortos equivale à 1% da população dos 10 milhões de haitianos. 1% da população. Fosse no Brasil, seria o equivalente à morte de 2 milhões de brasileiros. 1% da população. 70% de todas edificações do país desabaram ou estão comprometidas. O palácio presidencial caiu. Pense. O palácio presidencial. No dia seguinte à tragédia, o presidente do Haiti dava entrevistas na rua, e disse que não teria onde dormir naquela noite. O Presidente da República não teria onde dormir naquela noite! Agora pense na população. Catastrofe é pouco para definir.
Mas nesses momentos que me emociono, vendo que ainda existe fraternidade no mundo. Todos os países, seus lideres, suas celebridades e seus mais humildes cidadãos, unidos numa única mensagem de solidariedade e esperança. Sinceramente é belo ver palestinos e israelenses dizendo a mesma coisa. Mostra que o mundo ainda pode se unir, por uma causa em comum, que é a causa da humanidade. Ouvi uma critica logo no primeiro dia, quando o Governo Brasileiro anunciou que doaria 10 milhões, para a o auxilio ao país, de que se estava ajudando o estrangeiro, e esquecendo o povo brasileiro. Por maiores que sejam os problemas nacionais, lá existe uma catrástrofe, da qual não poderão se recuperar, sem ajuda. Achei uma grande, uma tremenda bobagem isso que foi dito. E nem falo pelas questões estratégicas da política externa do governo Lula, em adotar uma postura de liderança, afim de conquistar uma cadeira permanente no conselho de segurança da ONU. Falo de algo mais básico, intrinseco a todos nós. Antes de sermos brasileiros ou haitianos, somos todos seres humanos. Não devemos ajudá-los por qualquer outro motivo que não seja esse, somos irmãos.
Em dezembro, recebi meu salário de bolsista/estagiário da UFPR. Recebi o de dezembro e o de janeiro, adiantado, tal qual os estagiarios da UTFPR também receberam, por questões legais (o orgamento público previsto não pode virar o ano; tem que fechar, sem deixar compromissos futuros, estabelecido pela lei de responsabilidade fiscal). Como em janeiro não teria as despesas diárias de viagens Matinhos-Curitiba, e como me sentia imerecedor de tudo, afinal, meu trabalho foi básico, comentei com alguns amigos que gostaria de doar o dinheiro referente à janeiro (ainda que recomendasse o bom senso que o guardasse, para quando retornasse as aulas), e pedi indicações de instituições confiáveis, que necessitassem. Eles riram, brincaram que devia doar para os amigos, que deveria doar para um churrasco. Nada contra churrascos, gosto muito, mas não era destinação que queria dar a ele. Doei parte para a assistência de Natal que a Igreja Católica daqui promoveu. Outra parte, ficou guardada, reservada, na minha gaveta, durante este mês.
Não gosto absolutamente destas campanhas de doação pela televisão, estilo Criança Esperança. Esta é uma das maiores farsas que já existiram. E não por que eles embolssem ou deixem de embolsar o dinheiro (sinceramente não sei, nem me importa). Doar para Criança Esperança e congêneres (seja do SBT, da Record, ou de qualquer outro lugar) é uma fuga do sentimento de responsabilidade social. A pessoa disca um número de telefone, do conforto de seu apertamento protegido por grades, e doa 5, 10, 20 reais. Mas no dia seguinte, fecha o vidro do carro para o pivete de rua, e fecha os olhos para a miséria ao seu redor, acreditando que fez sua parte, que ajudou a sociedade. A pessoa despreza e humilha os mais pobres, os humildes (como a história de Bóris Casoy e os garis), mas acredita que está fazendo alguma coisa, eximindo-se de responsabilidade. Por isso, grosso modo, que não gosto desse tipo de doação. Mas nessa ocasião, a coisa muda um pouco de figura.
O Haiti é longe, e ainda que eu pudesse ir até lá, pouca diferença faria. Existe todo um país para ser reconstruido. Existe toda uma população para alimentar. O governo federal disponibilizou uma conta na Caixa Economica Federal para doações. Não é iniciativa de organização independente, visando aparecer, mas o governo brasileiro, em parceria com a ONU, outra entidade de respaldo. O dinheiro irá para o Programa de Alimentação e à Coordenação de Assistencia Humanitária, ambos da ONU. Não sei se foi apenas coincidencia ou se eu estava esperando o momento certo para ajudar, mas sei que aquele dinheiro sairá de minha gaveta nessa segunda-feira.

Se alguém mais também quiser ajudar (não existe mínimo):
Caixa Econômica Federal
PNUD – Haiti
Agência: 0647
Operação: 003
Conta: 600-1

2 comentários:

Merini disse...

Bonita atitude Márcio. E eu fico me perguntando, às vezes, como é que pode, um país que já sofre tanto, sofrer mais ainda?
Mesmo que você não possa estar lá pessoalmente para ajudar, acredito que a doação ajudará muito, visto que a ONU espera que $550 milhões de dólares sejam necessários para a reconstrução. Claro que isso não apaga as inúmeras mortes, mas fará com que as próximas gerações tenham chance de recomeçar e quem sabe mudar o destino desse país.
Parabéns pelo texto e principalmente, pela iniciativa.

Carlos Pegurski disse...

Faço das palavras da Mérie as minhas. Fico orgulhoso da sua sensatez, da sua solidariedade e da sua sensibilidade. Abração!