quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Isolamento, Solidão e Companhia

- Sabe aquele momento em que você olha nos olhos da outra pessoa e sente que ela vê sua alma, e então o mundo inteiro se silencia?
- Sim!
- Bem, eu não sei.

O diálogo acima é um trecho (do trailer) do filme Up in the Air (Amor sem Escalas). Adiante, no mesmo trailer, diz o narrador:
 - Se você pensar a respeito, nas suas melhores lembranças, nos momentos mais importantes da sua vida, você estava sozinho? A vida é melhor com companhia. 

Ainda não vi Up in the Air, mas, aparentemente (digo aparentemente por que trailers mentem), uma das questões retratadas no filme é o isolamento em que vive o protagonista interpretado por George Clooney.
Isolamento e solidão. A vida é melhor com companhia. Estranhamente, essa frase me lembrou o Gênesis, da Bíblia. Nem Deus gostava de estar sozinho, queria companhia e criou o homem, e após isso, criou uma companhia para sua companhia. A vida é melhor com companhia.

Não vi o filme ainda, mas seria bom, com companhia. Vi outro filme, hoje, bem, ontem, quer dizer, nessa quarta-feira, este sem companhia, que trata de assunto similar. O título é Funny People, mas no Brasil foi batizado de "Tá rindo do quê?", desse jeito mesmo, escrito "errado". O filme tem como protagonistas dois cânones da comédia contemporanea, Adam Sandler e Seth Rogen, mas é um drama. Um grande drama. Não acredite nas sinopses dos filmes que você lê. Não sei que tipo de gente as escreve, mas frequentemente estão erradas. Deixei de ver esse filme por muito tempo, devido à sinopse e ao modo como foi "vendido" (faltam bons comunicadores no mercado cinematográfico). Um comediante famoso descobre que tem uma doença terminal e irá morrer em breve, e então percebe que apesar da riqueza e fama, não há ninguém ao seu lado, ele não tem amigos nem familia nem ninguem a quem contar. Do outro lado, Seth Rogen sonha em ser comediante, mas está preso a uma vida miserável, que chega a ser melancólica. Os dois se cruzam numa noite, e Sandler contrata Rogen como seu assistente pessoal, na busca de algum tipo de companhia. Em um momento diz ele "Eu nem gosto de você, e você é meu melhor amigo." Evidencia-se de várias formas como todos estão sozinhos, mas também como existem alternativas. Você deve estar pensando em muitas situações clichês que decorreriam a partir da situação inicial; eu também já imaginava esses clichês, mas acredite, em nenhum momento o roteiro recorre a eles. O filme pode ser absolutamente tudo, menos previsivel. O roteiro é realmente inteligente, agradando ao grande público, ao mesmo tempo em que foge desses clichês. Com uma reviravolta na metade do filme, e uma dose de romance, a construção das relações entre passado e presente, e um futuro, ao longo de todo o filme transpira verosimilhança, abandona saídas que soassem falsas ou irreais. A realidaede prevalece, ainda que sob a máscara de Hollywood. Erroneamente, foi vendido como um tipo uma comédia (que tipo de gente traça essas campanhas de marketing?), mas, apesar de ter cenas engraçadas, é um dos filmes mais tristes que já vi nesses últimos tempos. Não é uma tristeza necessariamente para se chorar, mas uma tristeza melancólica. O filme é longo, quase duas horas e meia, o que já evidencia que não é uma comédia. Comédias geralmente são curtas, uma hora e meia ou menos, uma e quarenta no talo. Faz sentido, para quem quer diversão rápida, mesmo que, raras vezes, inteligente. Foi um fracasso de bilheteria, oque já era esperado pela combinação de fatores: atores de comédia em um drama, campanha de marketing mal-feita, duração longa (ou seja, uma sessão de cinema a menos, por dia). Mas bilheteria não importa. O filme é bom. Cada minuto vale a pena. Existem filmes que são indevidamente longos, que poderiam ser reduzidos e ficariam melhores, pois são consativos. O filme, mesmo longo, não é cansativo. Cada minuto de projeção faz sentido em existir, não há informação inútil. Curioso pensar sobre os atores de comédia que se propõem a fazer drama: geralmente arrasam; considero o exemplo máximo Jim Carrey. Adam Sandler não mereceria um Oscar, mas sua atuação está louvável, assim como Rogen, perfeito. No entanto o segredo está no texto, disposto a discutir coisas tão recorrentes em nossa sociedade como isolamento e solidão. Vale ser visto, com companhia.

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