quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Sobre morte e homenagens (Ou: Do fundo da minha alma)

"Você deveria escrever a partir da sua vida. Das profundezas da sua alma." Este é o conselho que o Professor Fritz, personagem de Gabriel Byrne, dá à Jo March, personagem de Winona Rider, lá pelas tantas de Adoráveis Mulheres, um dos filmes que mais amo de todos os tempos. Notei que tenho escrito sobre política e cinema, o que são interesses meus, mas não sou eu. Gosto de cinema, e escrever sobre, e ainda vou escrever muito sobre isso nessas férias (hehee), mas também existe a necessidade de colocar a sua alma no papel. Afinal, é isso que diferencia você dos demais.
Pois bem, vou falar um pouco então desta alma. Outro dia, estava de bobeira, dando voltas pelo orkut, como se não tivesse coisas importantes a fazer (escrever o artigo, Márcio, o artigo!). Acabo caindo nas páginas de vídeos preferidos de uma antiga amiga do cursinho, que adotou/inseriu em seus vídeos, um vídeo existente no youtube de outro colega, René.
Então tenho que falar sobre o René. Fizemos cursinho juntos, o que não é grande coincidencia em Matinhos, onde praticamente só existe um cursinho. Não eramos grandes amigos, apenas de se comprimentar "e aí, tudo blz?", "tudo". Uma vez fomos jogar bola juntos, tradição de toda sexta-feira promovida pelo Jefferson, professor de biologia do cursinho. Fomos de carona no carro do Jefferson, até o campo sintético do Gaucho, meio longinho, em frente ao Fitiepi. No carro, ele não parava de falar da Poliana, incentivado pelo Jefferson. Poliana é uma outra colega nossa, do cursinho, por quem também tinha um carinho especial, mas reservado demais para ficar falando sobre, como ele fazia. Rsrss. Só espero que ela não esteja lendo isso.. hehee. Nos tornamos amigos, just this. Eu era (talvez ainda seja) como o personagem de Jim Carrey se define, logo no inicio de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças "Me apaixono por toda garota que me dá um sorriso e alguma atenção especial". Hehee. Foi por causa dela (e mais dois amigos), que resolvi fazer o vestibular do Cefet, como chamavam a UTFPR. Mas isso é uma outra história... Eu gostava muito de jogar; já me quebrei um monte jogando bola: gengiva cortada, dedo do pé literalmente quebrado, quase desmaio sem conseguir respirar depois de receber uma bolada no peito... Hahaha. Mas eram divertidas, as sextas-feiras. Renè passou para o curso de Ciências, enquanto eu entrava em Gestão Pública. A relação na faculdade não foi muito diferente, apenas nos cruzavamos, vez em quando, pelo corredor. Pouco tempo depois, logo no início da faculdade, 1º período ainda, ele foi para os Jogos da UFPR (acho que é Jogos Rurais o nome, algo assim) em Palotina. Lá, morreu.
Conta a história, numa madrugada, sozinho numa rua, ao atravessá-la, foi atropelado. Comoção entre os amigos, solidariedade e homenagens. Também fiquei solidário, também senti, claro. A morte é um tema dificil para mim, uma grande incógnita, sobre a qual não tenho opinião, pensamento definido. O modo de encará-la, para mim, é problemático. Não pensar a respeito do tema é uma forma de fugir do assunto, não ter que ter opinião sobre. Mas não é sobre que isso exatamente que quero escrever hoje, mas um tema que a cerca. As lembranças do indivíduo, após sua morte. René havia gravado um vídeo, cantando, e postado no youtube. É o vídeo que essa amiga adotou como favorito. Nos comentários, lembranças e homenagens. O orkut de René ainda existe. Na página de recados, homenagens dos amigos, falando sobre a falta que fará. Nesse ponto, me ocorre alguns questionamentos de ordem juridico-legal, sobre os quais acredito que ainda não há definição, mas também não são o objetivo desse texto, são apenas questões que valem se pensar. Como fica, no direito, os bens virtuais de alguém, após sua morte? Entram no espólio? O e-mail (correspondencia, ainda que eletronica) e o orkut, pertencem aos herdeiros? Pode um servidor/provedor deletar uma conta de e-mail, constatado a morte do títular? Bom, acho que alguém, algum dia, vai criar uma jurisprudencia a respeito. Não me interessa agora. Penso apenas alguns aspectos da questão. Acho um tanto mórbido, após a pessoa ter morrido, continuar existindo, virtualmente. O perfil continuar ativo, existindo. Não sei o que desejo para mim, se quero que o orkut seja deletado, ou continue, talvez como um réquiem; mas que tem seu lado mórbido, têm. Como se uma parte da pessoa continuasse viva, presa a esse mundo, impedida de partir. Um tanto estranho. Mas também tem seu lado bonito, que é o mural de homenagens formado, os amigos que prestam suas homenagens.
Então, sem querer ser egocentrico, é inevitável pensar sobre mim mesmo. Em dezembro de 2008, um ano e pouco atrás, fui atropelado, em frente à faculdade. Fiquei alguns dias internado no hospital evangélico, em Curitiba, mas sobrevivi. Meu estado foi grave, apesar do risco de vida que corri não ter sido grande, ainda que tenha existido. É de se pensar. Fosse diferente o angulo, mais à esquerda ou direita, sei lá, e quem sabe os ferimentos seriam diferentes, e talvez eu não estivesse mais aqui. Fiquei alguns meses de molho, me recuperando (sorte ou azar, eram férias). Fora algumas cicatrizes, hoje estou bem. Mas e se eu não tivesse mais aqui, o que teria ocorrido? Sinceramente, não acho que teria um mural de homenagens tão bonito quanto o do Renè. E não estou fazendo comparações, nem com algum tipo de inveja (seria o cúmulo do absurdo, não?). Apenas constatando. Às vezes eu sinto necessidade de estar conectado com o mundo, justamente por que não estou conectado. Meus amigos de Matinhos nem souberam do que ocorreu, tomaram conhecimento em meados de janeiro, quando mandei um e-mail. Um e-mail! Meus amigos de Curitiba só souberam por que, coincidentemente, foi na frente da faculdade e alguns testemunharam (senão, provavelmente também não teriam sabido). O que fizeram, a seguir, foi ir para um barzinho à noite, que estava marcado. Alguns somente, justiça seja feita. "Se fosse com qualquer outra pessoa da sala, não teria balada", argumentou uma amiga. Aquilo marcou. Não sinto ressentimentos, não mesmo, de forma alguma. Apenas constatando. Se eu morresse hoje, aqui, provavelmente ninguem (fora minha família, óbvio) tomaria conhecimento. Eu estava, e continuo, desconectado do mundo, das pessoas. São coneções que às vezes não sei como estabelecer. Morresse eu, penso, mesmo as homenagens tardias, quando soubessem do ocorrido, não seriam significativas. Seriam apenas tal como eu continuo sendo. Este texto ficou com um clima ruim, pesado, que não era o que pretendia dar. Não estou, nem quero, remoer coisas do passado, só trouxe elas para exemplificar. É apenas uma reflexão sobre meu papel na sociedade, no mundo. As coneções que ainda estou para estabelecer. Do fundo da minha alma, como aconselhou Fritz à Josephine.

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