quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós (ou Da relatividade da liberdade)

Li outro dia desses um artigo no blog do Fred (Fred Vasconcelos, não o professor Fred...  haha) na Folha sobre a mudança da jurisprudência a respeito das escutas policiais e os limites do direito à privacidade. Coincidentemente, no mesmo dia, leio um babaca de extrema direita na Veja, que gosto de ler só para rir de suas babaquices, citar distorcidamente Lenin, que teria dito "Liberdade para quê?" (não sei se é verdadeira a citação, mas acredito que sim). Então me retorna à mente um tema sobre o qual queria escrever a muito, e se a memória não me engana, ainda não escrevi aqui no blog. Liberdade.
Antes que eu comece, já vou prever as criticas. São idéias totalitárias, fascistas, ditatorial, comunista, sei lá mais o que. Sei que as piores criticas virão de mim mesmo, daqui a algum tempo (provavelmente não muito), quando mudar de opinião. Mas sendo esta a minha posição de hoje, lá vamos.
Todo o sistema do assim chamado Estado de Direito (ou seria de Direita?) baseia-se na liberdade. Liberdade individual, liberdade de comércio, liberdade de imprensa, liberdades liberdades. E quem foi que disse que a liberdade é natural? Ok, Locke e Hobbes disseram. Mas e daí? Quero dizer, adota-se a perspectiva que a liberdade é um dom “natural” do ser humano, mas isso é uma perspectiva cultural; cultural e sobretudo ocidental. Não quero viver em um regime totalitário, sem liberdade alguma; creio que a liberdade essencial, que essa sim não pode ser tocada, é a liberdade de pensamento e expressão, mas penso que a liberdade total em que vivemos, e que certas correntes defendem, não é algo intocável. Vamos colocar assim: não vejo problemas em pequenas restrições à liberdade, se estas favorecerem a promoção da igualdade. Igualdade, assim como liberdade, é um conceito cultural, antropologicamente falando. Ambos os conceitos foram construídos socialmente e pertencem a um processo histórico. Inclusive, se pensarmos bem sobre o “natural”, a liberdade estaria mais perto de ser natural do que a própria igualdade, apesar de nenhuma das duas o ser, para mim. Então, por que promover igualdade, se ela é tão culturalmente construída quanto a liberdade?
Não sei se é possivel construir um argumento baseado na Razão, assim como não é possivel defender a liberdade. Minha fé na igualdade tem muito a ver com minhas crenças, e por isso, por se tratar de vontade e fé, não é essencialmente razão, esta inquestionável lógicamente, se é que existe tal coisa. Sou cristão, apesar de não frequentar nenhuma igreja especifica. Ironicamente, acredito na Igreja Católica, apesar de não frequentar (geralmente as pessoas fazem o inverso, frequentam mas não acreditam). Minha confiança na igreja católica como a representante do cristianismo na terra tem muito a ver com o que Weber definiu como o poder vindo da tradição, mas não é sobre isso esse texto. As pessoas enxergam - e quando tento argumentar com elas continuam insistindo em seu ponto de vista inicial - uma dicotomia entre fé/religião e Marx. Marx criticou duramente a religião, o "ópio do povo", assim como também criticou o próprio sentido de ideologia, a falsa consciencia, ao mesmo tempo que construia uma nova ideologia. É contraditório se você pensar, mas faz seu sentido. Ele criticou a religião por entender esta como um instrumento da classe dominante para alienar o povo. Muito provavelmente estava certo, dentro de seu contexto. Ele não critica, até onde sei, a fé em si, o objeto no qual se acredita, a saber o paraíso, propagado pela igreja católica, por exemplo. Analisando Marx, suas propostas parecem utópicas exatamente por propor qual um paraiso na terra. Ou seja, as coisas que Marx defende tem muita semelhança, com as coisas que a fé cristã defende, como harmonia entre os homens, fraternidade, etc. Diferenciam-se pela igreja chamar isso de paraíso enquanto Marx chama de comunismo. Poderia tentar expor mais longamente e melhor meus argumentos, mas como Marx não é o objeto central desse texto, acho que está suficiente. A igualdade entre os homens é o sonho último, tanto do marxismo, quanto do cristianismo. Acredito que nunca (pelo menos não em plano terreno) chegaremos a igualdade plena, mas isso não nos impede de caminhar em sua direção.
O Estado é o ente que instituimos para "controlar" a sociedade, nos "regular". Então acho sim, que o Estado tem o direito que intervir em certos aspectos sociais, inclusive diminuindo a liberdade, em beneficio dessa regulação, desse controle. Tanto para promover igualdade, mas sobretudo em outro aspecto, que é o trabalho polícial (definição esta do que é o Estado - aquele que tem o monopólio da violência legítima). Já ouvi criticas, do fato de que na Ingleterra, por exemplo, existe um sistema de vigilancia por câmeras muito incisivo. "Estão tirando minha liberdade; estão me olhando", é o que dizem. Mas é preciso vigiar mesmo! Claro que nos sentimos menos à vontade sob o olhar de uma camera, mas essa é a intenção. Que você não faça, sob o olhar de uma camera, o que não faria fora do olhar dela. Controle social. Esse é o termo, e acho que é fundamental. Veja, existem limites. O Estado não pode colocar um satélite e olhar dentro da casa de uma pessoa, em uma esfera estritamente particular. Mas desde que exista, nessa casa hipotética, uma janela aberta, e a camera olhe pela janela, é justo. O Estado está em toda parte. Só não há policiais em cada esquina por pura questão logistica, mas ainda que o policial não esteja lá, o Estado está. Minha tese é: se, parado no local onde existe uma camera "espionando" as pessoas, houvesse um policial, e este policial fosse capaz de enxergar por uma janela, o interior de uma casa, então a camera (que é o olho eletronico do policial) também tem o direito de olhar por ela. O lugar público é público, meu bem. Deve sim, ser vigiado. E nisso a tecnologia é um grande bem, pois propicia que o Estado torne-se, na prática, o que ele era até então somente em filosofia e teoria: onipresente.
Claro que devemos ter cuidado com a onipresença do Estado, sobretudo em regimes autoritários. O poder de controle e repressão aumenta. Mas não vejo o Estado como inimigo (como Hobbes, que se pergunta como o individuo deve se defender do Estado). Não acho que o cidadão reto deve temer o Estado, ou ter que se defender dele. Uma outra correlação que faço agora é com os "pardais" (terminais de fiscalização) eletronicos, tão criticados por aqueles que gostam de infringir a lei do limite de velocidade no transito. A lei não deve ser cumprida apenas pois haverá punição, ele deve ser cumprida por ser lei. Ou seja, não importa se existe ou não o pardal, escondido, para fiscalizar, a lei deve ser cumprida. Por isso, defendo que exista "pardais" em absolutamente todos as ruas da cidade, assim como exista cameras em absolutamente todo e qualquer lugar que um policial poderia estar. Nesse sentido, não se trata de privação da liberdade, ainda que alguns achem que sim. No entanto, vou mais longe.
Não gosto do ex-governo de George W. Bush, mas também não o odeio, como muitos. Acredito que americanos são todos iguais, Bush e Obama, quando se trata da relação imperialista com o sul. Mas não discordo, e pelo contrário, gosto, de uma das medidas mais criticadas de Bush, o Ato Patriótico, que dava uma série de permissões especiais ao Estado em relação ao cidadão, como prisão preventiva e escutas telefonicas sem  necessidade de mandato judicial. Quanto à prisão preventiva, até concordo com as criticas, mas as escutas telefonicas, é, a meu ver, um direito do Estado em relação ao cidadão, com a finalidade de proteger a sociedade. Afinal, odeio ditados, mas vou recorrer a um "quem não deve não teme". Tudo bem, sei que essa minha opinião é o que há de mais retrógado e conservador que existe - me lembro do professor Rodrigo, quando disse isso certa vez, fazer um paralelo, ironico, que no regime militar também, o governo dizia que "o cidadão de bem não tem o que temer". É claro que deve haver controle ridigo a respeito do uso pessoal, politico ou partidário de um sistema como esse. No Brasil, por exemplo (e sem querer bancar aquela gente que acha que tudo que é estrangeiro é melhor - não sou assim), seria complicado pois cada governo nomeia os cargos da polícia federal, por exemplo, a seu gosto. Não apenas o governo do PT, como a mídia gosta de ressaltar, mas do PSDB também, e de qualquer um. Uma coisa que admiro no sistema americano é uma "burocratização" do serviço de inteligencia. Os chefes militares são aqueles, o diretor do FBI é aquele, o diretor da CIA é aquele, há decadas! E não vai mjudar a política ou as ações, independentemente do presidente que houver. O sistema está acima dos governos, e os transpoem., os perpassam. Em um sistema assim, estável, é possivel instituir um serviço de escutas telefonicas que sirva aos interesses do país. Diminui-se a liberdade. Não em nome da igualdade, mas da segurança, do fortalecimento do Estado. Claro que existem limites.
O que quero mostrar é que já hoje, vemos nossa liberdade diminuir. que então façamos algum proveito, que seja por uma boa causa. Por fim, apenas para não deixar a impressão errada, quero dizer que acho sim, que a liberdade é um bem fundamental da nossa civilização. O que caracteriza o ser humano é o livre arbitrio para a escolha. Liberdade. "Essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda", como disse nossa poeta Cecilia Meirelles. É tudo questão de achar o ponto de equilibrio. Nem tanto lá, nem tanto cá.

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