domingo, 25 de abril de 2010

Sobre distintas crenças e ações

Existe um vídeo de José Serra, do inicio de 2009 (quando o governo já havia tomado medidas necessárias e o país já começava a sair da crise), em que previa que a eleição de 2010 se daria em um cenário de economia turbulenta. O vídeo pode ser acessado aqui. Luiz Carlos Azenha o ironizou, chamando-o, na legenda do vídeo postado em seu blog, de "o economista competente". Isso me remetou a uma série de dizeres sobre a capacidade gerencial da direita. Meu amigo Carlos acredita que há uma separação entre direita e esquerda por competência, digamos assim (o termo é meu; não lembro exatamente a expressão usada por ele). Em síntese, a direita teria melhor experiencia e saberia governar melhor, pragmaticamente falando. Sei que muita gente boa concorda e pensa da mesma forma. Mas realmente discordo. E não é pelo saudável exercicio de discordar, que pratico sempre, mas realmente por dados averiguáveis. Esse vídeo ilustra a questão. 
Serra acreditava que o cenário economico em 2010 seria difícil. Como sabemos, nossas ações são movidas por nossas crenças. E se o presidente do Brasil, durante essa crise, fosse Serra, Alckmin, ou algum outro da direita? Assim como se apresentam, movidos pela sua crença, provavelmente sua reações diante do cenário posto teriam sido diferentes, e talvez hoje o Brasil não estivesse na bonança que está. Bonança pode parecer um termo inadequado, mas comparando-se a outros países, ainda mergulhado na crise financeira, creio que não seja em vão. 
Quem me conheçe um pouco melhor sabe que nem sempre fui de esquerda. Em 2002, votei em Serra contra Lula. Na época, tinha um quadro de José Serra pendurado em meu quarto. Sério! Hoje, evidentemente, com minhas concepções mudadas, esse quadro foi substituido pela bandeira do PT na parede de meu quarto (ao lado da bandeira do Brasil). Não sou uma pessoa radical, apesar de às vezes poder parecer isso. Sou racional, e minha (às vezes radical) admiração adquirida pelo PT é racionalmente explicada. Além de temas nacionais, questão sobre igualdade, etc e etc, o principal, o principal ponto que admiro na nova esquerda é a economia. Já comentei isso com alguns amigos. Chamo de nova esquerda a corrente que está hoje no governo, ilustrada no PT. Não vou muito bem com a esquerda radical. Admira-se Lula pela questão social. É um ponto importante, mas não o principal para mim. Pode parecer estranho, mas para mim, o ponto principal na esquerda, que me fez passar a admirá-la, foi a questão economica, não a social. Meu julgameno começou a mudar em 2004/2005, quando a situação economica começou a ser domada. Dali para frente, a coisa só melhorou. 
Realmente acredito que as soluções economicas trazidas pela esquerda são muito melhores, mais eficientes, do que as trazidas pela direita, que supostamente administra melhor. Sob FHC o Brasil quebrou duas vezes. Quebrar, falir. Não sou eu quem digo isso, é um dado economico; creio que nem os tucanos o negem. Lula enfrentou uma crise financeira muito maior do que a dos tigres asiáticos enfretada por FHC. Temos aqui um paralelo bem interessante, pois é uma situação similar, que pode ser colocada lado a lado, como comparativo, para analisar os dois governos. Duas crises economicas, uma enfrentada pela direita, outra pela esquerda. Creio que eu nem precise argumentar quem enfrentou melhor, certo? Com o PSDB mergulhamos na crise, com Lula saímos dela relativamente ilesos, bem melhor do que o resto do mundo. Novamente, é dado histórico, não opinião. 
Qual a diferença, então, de uma crise e outra? O diferença essencial foi no modo de encará-la, de lidar com ela. E nessa definição, novamente a crença exerçe um papel fundador. Crença no modelo de Estado. Isso é essencial, apesar de pouca gente se importar com isso, ou achar irrelevante. 
A direita acredita em um Estado pequeno (vou evitar o uso do "mínimo", para tentar não adjetivar). Ela defende o liberalismo economico, em que as partes devem ser deixadas livres para negociar, e que, bem ou mal, vão acabar se resolvendo. O papel do Estado é não atrapalhar, não se meter, apenas regular as regras do jogo. Não estou dizendo que isso seja bom ou ruim, pois aí depende da postura teorica que cada um adote (em ciencias sociais não existe verdade, mas posturas teoricas). Apenas digo que é isso que a direita pensa, pois é isso que ela pensa (seja na formulação de Adam Smith de que se cada um buscar o interesse próprio o interesse coletivo também será contemplado, seja na afirmação de Margaret Thatcher de que "o Estado e a sociedade não existem; apenas os individuos e suas familias"). Qual o papel do Estado, então, diante de uma crise? Para a direita, liberal, o estado intervém indiretamente, através de regulação, ou seja, alterando aqui e ali as regras do jogo, para incentivar (veja o verbo, incentivar apenas, não promover) uma ou outra tendencia. Nisso, há um sem fim de mecanismos economicos disponíveis. Foi essa postura que o governo de Fernando Henrique Cardoso adotou diante das crises enfretadas por ele, de um Estado com papel regulador e incentivador, e que não gerou resultados positivos. Lembre-se: o Brasil quebrou, faliu. 
Qual a postura da esquerda? A sociedade, os individuos e todas as partes envolvidas não são independentes, e não chegam em um acordo espontaneamente. Elas precisam ser reguladas, pelo estabelecimento das regras do jogo, tal qual no liberalismo, mas o papel do Estado é ir além, é promover o bem para os individuos e a sociedade. Aqui, há uma cilada. Ao falar sobre "promover o bem" invariavelmente o leitor será remetido à idéia do bolsa familia, da assitencia aos pobres. Não, não é isso. Trata-se da promoção do bem economico. A esquerda acredita que as partes economicas não chegarão sozinhas ao beneficio da sociedade, então o Estado tem que prover esse beneficio economico, intervindo. Diante de uma crise, o papel do Estado, para a esquerda, é intervir, ser atuante. É importante ter cuidado com os termos; "intervir", aqui, não significa o que classicamente se vê negativamente, como controle, mas no sentido de atuação, ter um papel ativo. Não apenas regular as regras, mas ser mais um player, mais um jogador no cenário. Aquilo que o grande economista Delfim Neto definiu como o "papel indutor do Estado". Vemos isso na ainda recente crise economica. Diante de um temor generalizado de investidores, o Estado se tornou um investidor. Aumentou despesas, investiu, e pôs a economia para girar novamente. Se as partes economicas não fazem a economia girar, o Estado assume esse papel e faz. Algo que não acontece no modelo liberal. 
A diferença básica, então, é quanto ao papel do estado, regulador ou indutor direto, ativo. Essa crença vai determinar as posições economicas que um governante adotará. E agora, voltamos aos dados históricos. Claramente, uma posição gerou um resultado melhor do que outra. A posição da esquerda de Lula foi muito mais bem sucedida do que a posição da direita de FHC. Lembre-se: a crise enfrentada por Lula foi muito pior. E o vídeo de Serra, com o qual começei esse texto, é mais uma ilustração da análise feita aqui. Por ele, em sua analise, a partir de sua visão liberal de Estado, a crise persistiria. Aí que está, realmente acredito que ele estivesse sendo sincero. A crise persistiria, se tivesse agido sob seus pressupostos. Ele se esqueceu que o governo Lula tinha outros pressupostos, diferentes, não reguladores, mas interventores. E o Brasil saiu da crise. Por isso, por uma questão economica, pragmática, gosto da esquerda. Pois acho que sim, a esquerda sabe lidar e administrar muito melhor do que a direita, apesar da imagem formada em torno desta.

Em tempo: Serra vai ser vendido na campanha eleitoral como "de esquerda", pois as pesquisas e o marketing mostraram que é isso que o público quer. Ainda que Serra fosse um interventor (já tem dado sinais que irá mudar o discurso para a campanha e defender essa postura) o presidente não governa sozinho, mas de acordo com os ideais de seu grupo. Além disso, ele não é. O vídeo linkado revela as reais opiniões de Serra. As medidas pregadas por ele são de crédito, ou seja, regulação e incetivo, tal como prega o liberalismo. Adiante, dá enfase no "mobilizar". Veja: não intervir, mas mobilizar a sociedade e os outros. E vai além: essas medidas são, no seu dizer, "as únicas possíveis". Lula e a esquerda mostraram que não eram as únicas possíveis, nem as melhores.

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