terça-feira, 7 de setembro de 2010

Sobre questões locais (Ou: analisando dados)

Embora more aqui no litoral do Paraná e goste de política, não estou engajado na política local. No entanto, tenho amigos que estão. Ouço suas ponderações e comentários. Alguns geram boas reflexões, como a que pretendo fazer hoje. Na disputa para deputado estadual há dois candidatos, de Paranaguá, que reivindicam a bandeira de representar o litoral. São eles Roque e Alceuzinho. O que escrevo, é inspirado pelos comentários desses amigos. Como não há pesquisa de opinião para deputado, vou tomar seu feeling como termômetro mais ou menos correto do cenário eleitoral. Segundo dizem, Alceuzinho é bem mais forte que Roque. Roque, por sua vez, tem seu rincão eleitoral de votos. Paranaguá, dizem, tem “força” suficiente para eleger, sozinha, um deputado. São dados objetivos e o simples encadeamento de tais dados faz com que sejam tecidas análises de que Alceuzinho se elegerá. No entanto, fazer esse encadeamento lógico trata-se de um erro primário. Nas eleições legislativas, há que se levar em conta outros fatores. Fui buscar os dados para lastrear o ponto que quero demonstrar. 
Primeiro, entrei no site do TSE, aqui, para buscar dados sobre suas candidaturas. Alceuzinho, ou Alceu Maron, pertence ao PPS, que não tem coligação e vai ao pleito sozinho, concorrendo sob o número 23.333. Roque, ou Mario Roque, vai ao pleito filiado ao PMDB, que por sua vez compõe coligação junto com PT, PDT, PR e PC do B, e concorre sob o número 15.456. Também fui pesquisar dados sobre o estado do Paraná. Segundo consta, aqui, o Paraná conta com 54 cadeiras no legislativo estadual. Descubro também, aqui, dados (muito interessantes!) sobre o eleitorado paranaense. Pelos dados oficiais do TRE-PR, o Paraná conta com 7.601.553 (7 milhões e 600 mil) eleitores, dentre os quais 98.008 estão em Paranaguá. Parece que Paranaguá teria a tal força, não é mesmo? Vamos aguardar, que demonstrarei por que esse argumento está errado.
Abre um parênteses muito importante para explicar como funciona a eleição. No sistema eleitoral brasileiro, não basta ter uma boa votação ou ser o preferido do povo. Depende-se de outros fatores. Muitas vezes, quem tem menos votos, se elege. Como? Deixe-me explicar. Nem preciso dizer que tudo que estou falando é a respeito das eleições legislativas, né? Pois bem. A eleição não é majoritária (o mais votado vence), mas proporcional. Vou explicar em termos objetivos. Embora as pessoas acreditem que estão votando em candidatos, elas estão votando nos partidos. Lindo isso, não? Sério, é uma coisa realmente bonita. No Brasil, quem elege o deputado é o partido ou coligação (por isso, inclusive, o STF decidiu pela “implementação” da fidelidade partidária). Após apurados todos os votos, e se jogarem no lixo os brancos e nulos, que não servem para nada, obtém-se o quociente eleitoral, que é a divisão dos votos válidos pelo número de cadeiras em disputa. O quociente eleitoral é o número mágico. Os partidos que atingirem esse número têm direito a eleger um deputado. Vamos trabalhar com os dados puros (totais) do estado do Paraná. São 7.601.553 votos paranaenses, divididos pelas 54 cadeiras da assembléia legislativa, que totaliza 140.769 votos como quociente eleitoral. É evidente que, na prática, o quociente eleitoral é bem menor, dado o número de abstenções e de votos branco e nulo. Nesse exemplo hipotético, cada partido ou coligação que atingisse 140 mil votos elegeria um deputado; se o partido atingisse 280 mil votos, elegeria 2 deputados; se fizesse 420 mil votos, elegeria 3 deputados, e assim por diante... (a coisa complica quando "sobram" cadeiras, mas esse não é tema de hoje. Uma boa e didática explicação sobre isso pode ser encontrada aqui). A questão é: não é preciso o sujeito, em si, obter todos esses votos, mas sim o partido/coligação, e por isso é essencial estar num bom partido. Para se eleger, são fundamentais duas coisas: estar em um bom partido, que obtenha uma boa votação, para eleger vários deputados, e assegurar que o candidato se posicione bem dentro da lista do partido. Embora não usemos esses termos, o voto em lista aberta já existe no Brasil. É ele que praticamos a cada eleição. Votamos no partido, e o que fazemos, ao escolher algum candidato, é ordená-lo dentro da lista do partido, como seu preferido. Os candidatos ordenados acima, na lista do partido, são os que obtêm mandato. Salvo raras exceções, de candidatos que conseguem se eleger com votos próprios em qualquer partido que estejam, todos precisam dos votos do partido para conquistar o mandato. Por isso, eventualmente, um candidato A que teve menos votos que B pode se eleger enquanto B, que teve mais votos que A, não se elege. Depende de seu partido e coligação. Isso soa estranho? Acha que estou falando sobre exceções, um cenário possível matematicamente mas que nunca acontece? Se acha isso, se surpreenda, pois é algo que acontece em absolutamente toda, toda eleição para o legislativo brasileiro (aqui, uma tabela interessante, que mostra os eleitos para a assembléia em 2006 com menos votos do que muitos que não foram eleitos). É uma característica própria desse sistema. Ia dar um exemplo hipotético, mas acho que a ilustração vai ficar melhor com os candidatos reais. Para isso, antes, vamos voltar ao passado. 
Seguindo a tradição de que devemos olhar para o passado para enxergar o futuro, fui buscar dados sobre a última eleição para deputado estadual. No site do TRE-PR, a área sobre as eleições de 2006 está com o link quebrado, então tive que apelar a outras fontes. Através do Google, encontrei os dados que buscava no site do G1, portal de notícias da Rede Globo (taí um bom tema de debate: instituições privadas funcionando melhor do que instituições públicas). Segundos dados, aqui, em 2006, o PPS, coligado ao então PFL, conseguiu eleger 3 deputados estaduais (o companheiro de chapa elegeu 6). O PMDB, sem coligação, elegeu 17. A coligação encabeçada pelo PT elegeu 9, sendo 7 do partido. Se totalizarmos ambos, chegamos a 26. Também achei dados, aqui, das últimas eleições municipais em Paranaguá, em 2008, na qual, coincidentemente, Alceuzinho e Roque se enfrentaram. Resultado? Roque obteve 23.376 votos, enquanto Alceuzinho amealhou 15.930. O vencedor, Baka, teve 30.981 votos. 
Vamos trabalhar com essas bases, e algumas tendências já demonstradas pelas pesquisas de opinião, para analisar o cenário atual. Vamos partir do pressuposto que quem votou em Roque ou Alceuzinho para prefeito não mudará seu voto. Ainda que consideremos, uma hipótese um tanto utópica em termos práticos, que todos votos de Baka fossem tranferidos para Alceuzinho, ele iria a algo em torno de 45 mil votos. Mais do que Roque. Parece que poderia se eleger? Pois bem, e o coeficiente eleitoral, hein? O PPS está sozinho, não tem outros partidos para ajudar a amealhar votos, nem um "puxador de votos", como se chamam políticos célebres que elegem eles próprios e mais uns tantos só com seus votos. Alceuzinho teria todas condições de ser muito bem colocado dentro de seu partido, mas... mas seu partido não tem cacife eleitoral para eleger um deputado. Ainda que Alceuzinho esteja apoiando Beto Richa, o apoio é informal. Eles estão em coligações distintas, que contarão seus votos separadamente. Se o PPS estivesse na coligação de Richa, o cenário mudaria muito positivamente para Alceuzinho, lhe dando possibilidades de se eleger. Mas não é o caso. Agora vejamos o outro lado. Roque é mais fraco que Alceuzinho. Vamos assumir essa análise como verdadeira. Mesmo assim, tem mais chances de se eleger por causa de sua coligação. Os dados de 2006 já indicam uma predominância de PT e PMDB. Agora estão unidos, e ainda reforçados pelo PDT que tem o candidato ao governo. Sem dúvidas, a coligação estadual deste ano com perspectivas de eleger mais deputados. As pesquisas de intenção de voto ainda indicam que, afora os dados do passado, existe uma tendência de alta da ala governista. O PT deve bater seus próprios recordes. E, embora eu goste do PT, isso não é torcida; são dados. O desafio de Roque é posicionar-se bem dentro da concorrida lista do partido. Se conseguir isso, está eleito. Seu problema é o oposto ao de Alceu, que é bom dentro partido mas cujo partido não deve atingir o quociente eleitoral.
Vamos agora àquele exemplo que eu ia dar. Vamos imaginar um cenário, só pra se ter uma idéia do que pode, palpavelmente, acontecer. Digamos que Alceuzinho tenha os hipotéticos 45 mil votos que atribuímos a ele e Roque obtenha os mesmos 23 mil da última corrida pela prefeitura (esses números são puramente hipotéticos, para ilustração). Alceuzinho obteria, nessa hipótese, quase o dobro de Roque. Mas lembram-se que a eleição não é majoritária? Vamos imaginar que o PPS de Alceuzinho obteve, no total do partido, 100 mil votos. Para fins didáticos, estamos trabalhando com o quociente eleitoral do total do eleitorado paranaense, que é 140 mil votos. Logo, o PPS não teria direito a eleger nenhum deputado, a despeito da votação de Alceuzinho. Enquanto isso, vamos imaginar que a coligação de PMDB-PT-PDT, à qual Roque pertence, tenha obtido, após todas etapas da apuração e contagem das cadeiras, com aquele esquema complexo que está explicado no link anterior, obteve o direito às mesmas 26 cadeiras que conquistou na última eleição. Será realizado uma lista dos 26 candidatos mais votados dentro dessa coligação (e não nas eleições gerais), e serão este que terão o direito a assumir a vaga de deputado. Agora imaginemos uma situação muito comum. Desse recorde de votos que a coligação conquistou, mais da metade veio dos dois ou três primeiros, mais famosos. A partir do quinto, o percentual de votos dos candidatos vai caindo e se "banalizando". Se Roque tiver ido bem em comparação a seus adversários de chapa, pode perfeitamente ficar entre os 20 mais votados. Por causa do quociente partidário, estaria eleito, mesmo com metade dos votos de seu adversário. Interessante nosso sistema, não é mesmo?
Isso vai acontecer? Muitíssimo provavelmente não com esses números pois são apenas um exemplo, uma ilustração. Mas é essa tendência que o cenário aponta: Roque com bem mais chances de se eleger, ainda que mais fraco, devido a coligação, do que Alceuzinho, cujas chances de eleição são pequenas devido ao mesmo fator. Claro que posso estar errado, claro que Alceuzinho pode se eleger. Matematicamente, tudo pode acontecer, mas estou fazendo uma análise fria e não partidária dos dados (não tenho nada a ver com nenhum deles). Sei que o próprio Alceu deve ter alguém na campanha que já lhe deu consciência disso. Ao menos, espero que tenha, senão seria muito amadorismo. É obvio, também, que analises do gênero não são tornadas públicas, afinal, há que se passar a imagem de vitória, que mobilizar a militância. Mas penso que, estratégicamente, não adianta negar a realidade. Aceitar as limitações, como o fato de ter um partido/coligação ruim de votos, é o primeiro passo para construir estratégias para se contornar as limitações. Aí entra uma reflexão pessoal sobre meu ser. Não consigo ser o sujeito que nega a realidade e vai para as ruas dizer que "nosso candidato vai ganhar". Sem deméritos a quem o faz; esse é o papel dos militantes. Papel importante e fundamental numa campanha, mas que não o meu. Encaixo-me melhor em um papel estratégico, de quem analisa os cenários e, sem negar as limitações, traça as estratégias para contorná-las, dizendo para as pessoas se mobilizarem. Sem deméritos, apenas uma questão de papéis. Para encerrar, vale ressaltar o significado de uma candidatura. Não se candidata apenas para se eleger, isso é sabido. Candidaturas podem ter as mais diversas motivações, objetivos e resultados. O sucesso de uma candidatura, portanto, deve ser considerado levando em conta seus objetivos. Uma candidatura pode ser para preparar terreno, para futuras eleições. Pode ser para conquistar espaço, seja interno, no partido, seja junto ao eleitorado. Pode ser para depois reivindicar cargos, fisiologicamente. Ou pode ser para levantar e defender bandeiras, ideologicamente. Há muito por detrás de candidaturas e não somente a eleição. Esta é apenas a esfera aparente das relações estruturais de poder.

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