domingo, 26 de setembro de 2010

O Voto em Branco e o Voto Nulo

As eleições estão perto e um tema muito importante, permeado de lendas e equívocos, e que gera muita confusão para as pessoas é o voto em branco e o voto nulo. Vejo muitas, muitas pessoas (de todos meus círculos sociais), fazendo confusão entre os conceitos, do que significa ou representa cada um. Sem querer ser pretensioso, quero explicar isso hoje. Vou explicar o que significa isso para os diversos campos que podem ter implicação.
Primeiro, em termos práticos e legais, para os resultados das eleições. Voto em branco e voto nulo são rigorosamente a mesma coisa. Nenhum dos dois interfere em nada no resultado das eleições. 
Talvez o maior equívoco que existe é que os votos em branco vão para o candidato que está ganhando. Isso está completamente errado. O TSE ao apurar o resultado descarta os votos brancos e nulos, e trabalha somente com os votos válidos, ou seja, aqueles que foram dados a candidatos. Se em uma hipótese, 60% da população votar branco ou nulo, somente os 40% válidos serão levados em conta. O candidato que tiver mais que 50% dos votos válidos será o vencedor. Ao votar em branco ou nulo você está ajudando, claro, o candidato que está na frente, pois podia estar votando em algum outro mas não está. Essa é a única forma que seu voto branco/nulo influencia o resultado (você podia dá-lo a outro candidato, mas não fez isso), mas de forma alguma o voto branco é transferido ao candidato que está na frente.
Outra lenda: dizem que se o voto não-válido, branco ou nulo, vencer as eleições, terá uma nova eleição. Errado. Lenda. Existe um dispositivo no código eleitoral que trata da "nulidade das eleições", o que se fez criar essa lenda urbana. A nulidade que a lei trata se refere a quando determinada mesa, seção ou colégio eleitoral tem a votação anulada, pela justiça ou pelos fiscais, por motivo de fraude. Se mais da metade dos votos for anulado por motivo de fraude, aí sim teria uma nova eleição. Mas convenhamos, isso não vai acontecer, né? Por causa do seu voto nulo ou branco? Nem pensar. Ele é simplesmente descartado.
Agora, em termos simbólicos, por assim dizer. O que representa esses votos? O voto em branco não é recente. Existe desde que existe uma eleição. Em termos filosóficos, na história, o voto em branco sempre representou repúdio aos candidatos existentes. É como se o eleitor dissesse: se são estes os candidatos, votarei em branco. Em eleições que ainda seguem os preceitos tradicionais do que significa e representa o voto em branco, como da ABL (Academia Brasileira de Letras), o voto em branco conta como voto válido, e até pode impedir que um candidato se elega (caso o branco ganhe), como também impedir unanimidade. O voto em branco não é descaso ou “tanto faz”. A abstenção é que representa isso. Quando tanto faz o candidato, o eleitor se abstém de votar. Quando ele repudia os candidatos, então ele se dá ao trabalho de ir votar e vota em branco. O voto em branco é considerado uma coisa séria. Na ABL, são raros os casos de voto em branco (enquanto a abstenção é freqüente), pois isso representa uma ruptura. Repúdio é a palavra. Esse é o termo, preciso, do que significa do voto em branco. 
O TSE vai contra a postura clássica do voto em branco contar como voto válido, não considerando ele para as eleições, por questões práticas (não poderíamos ficar à mercê de não eleger representantes). Oficialmente, o TSE não esclarece a interpretação que dá a cada um dos votos, nem lhe caberia interpretar isso. Apenas identifica o que é considerado cada um. Segundo texto oficial, o voto em branco é aquele em que o eleitor não deseja votar em nenhum dos candidatos, enquanto o voto nulo é aquele dado a um numero/partido/candidato inexistente. 
E aqui entra uma questão muito importante. O voto nulo simplesmente não existe na história. O voto nulo não existe, legalmente. O voto nulo não existe, de nenhuma forma. O que é o voto nulo, então? É simplesmente um erro. Como diz o texto oficial do TSE, é o voto dado a um partido/candidato que não existe. Você queria teclar um numero, teclou errado e confirmou. É simplesmente contabilizado como um erro, tal qual os norte-americanos que não conseguem perfurar corretamente a cédula e cujos votos são anulados por isso. Erraram. Algumas pessoas reclamam que não existe uma tecla de nulo. Isso seria um absurdo. Seria como pedir que existisse uma tecla de “erro”. No entanto, reiteradamente pessoas insistem em acreditar que é o voto nulo que representaria repúdio. Mas por que se criou essa confusão, entre o que cada voto representa, e essa idéia no senso comum de que o voto nulo seria repúdio ou revolta? No Brasil temos algumas particularidades, que os próximos parágrafos explicam.
Por último, em termos sociológicos. Durante muito tempo no Brasil tivemos o voto manual, em cédula de papel. Analisando os comportamentos dos eleitores, durante este período de tempo, a sociologia passou a considerar que: o voto em branco representa aquele sujeito que não está nem aí, e decide simplesmente se abster, enquanto o voto nulo representa uma revolta contra os candidatos. Como se percebe, o oposto do que os votos brancos e nulos representaram na história. Mas isso é plenamente explicável. 
Até um passado recente no Brasil não existia urna eletrônica, que surgiu nos anos 2000. O voto era manual, em cédula de papel. As pessoas assinalavam um "xis" na cédula de votação. Com a possibilidade do voto manual, o sujeito revoltado escrevia, bem ao estio brasileiro, palavrões na cédula, a usava para expressar sua revolta, o que anulava o voto. O sujeito que não estava nem aí (mas era obrigado, pela lei brasileira, a comparecer para votar) simplesmente deixava em branco para ter o menor trabalho possível e largava a cédula dentro da urna. Daí a interpretação, plenamente correta, de que o voto branco representa descaso e o voto nulo representa revolta. 
Tal análise não faz mais sentido nos dias de hoje, digitais. O eleitor de qualquer forma tem que digitar, o que desfaz o argumento do "menor trabalho possível" que justificava o voto em branco como descaso. Para anular seu voto, o eleitor tem que inventar e digitar um número inexistente na urna. Mas é apenas um número, não palavras ou sentimentos. Isso não é expressão de revolta. Mas veja que engraçado. No passado, as pessoas escreviam sua revolta nas cédulas, o que anulava seu voto. A sociologia formulou um conceito para explicar e disse: voto nulo representa revolta. Hoje, as pessoas votam nulo não por que estejam realmente expressando a revolta (como ocorria no ato de escrevê-la), mas por que disseram isso, que voto nulo significa revolta. A sociologia, que visava explicar a conduta dos sujeitos, acaba sendo usada para determinar essa conduta. Repito. Hoje, não faz mais sentido algum se votar nulo, como era justificável nos tempos do papel.
Como escrevi no inicio do texto, há implicações e interpretações possíveis a diversos campos do saber. Quem defende uma posição ou outra, não está errado. Cada um está se alinhado a uma forma de pensar. Sociólogos, historiadores e juristas eventualmente discordarão e podem discutir muito sobre isso. E cada um interpreta de um jeito. Mas acho que uma coisa é importante se ressaltar. Seja sob que olhar você queira enxergar a questão, não existe uma interpretação oficial do TSE, sobre o que representa seu ato, seja o voto em branco ou voto nulo. Não importa se você vai votar branco, nulo ou em algum candidato, é importante saber e ter consciência do que representa cada ação, para que você a tome de forma consciente. O que eu acho? Lavar as mãos, tal qual Pilatus, não te livra de responsabilidade. Bom voto.

Nenhum comentário: