quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Democracia e internet (Ou: Sobre Tocqueville e a neutralidade da rede)

Quando Tocqueville chegou aos Estados Unidos encantou-se com a organização da democracia que encontrara. A democracia norte-americana do século XIX não é a mesma democracia de hoje. Como ocorre a alguns conceitos da sociologia e da filosofia, perdeu-se e distorceu-se através do tempo o que é a democracia. A democracia de que Tocqueville escreveu assentava-se essencialmente sobre a igualdade. Igualdade também é um conceito que foi distorcido. No novo mundo descrito por Tocqueville, todos tinham as mesmas condições de trabalho. Todos chegavam a partir do mesmo ponto, e tinham iguais condições de batalhar pelo trabalho, pela vida. Isso era a igualdade de Tocqueville: igualdade social, sem classes. Bem diferente da igualdade formal perante a lei, como é interpretado hoje o sentido de igualdade, não é mesmo? Aquilo que Tocqueville chamou igualdade é hoje chamada equidade, e é associada a ideais de esquerda, mais próximo do socialismo do que da democracia liberal (outro conceito distorcido com o tempo). Seja como se queira chamar, igualdade em Tocqueville ou equidade na modernidade, são as reais condições de igualdade social para lutar por algo que propiciam a verdadeira democracia. 
Contemporaneamente, é possível fazer um paralelo muito interessante com a internet e uma coisa chamada princípio de neutralidade da rede. Peço licença aos que já sabem do que se trata para explicar ao eventual leitor que não saiba. Grosso modo, o principio de neutralidade da rede refere-se ao fato que, na internet, não há distinção ou prioridades entre os pacotes de informação que circulam na rede. Ou seja, não há classes, como na democracia de Tocqueville. Quando um sujeito normal ou uma empresa multinacional enviam um pacote pela rede (desde o simples clique para abrir um site até o upload de bases de dados são pacotes de informação) não há distinção de prioridades. Ou seja, ambos são tratados de forma igual, tendo sua velocidade limitada apenas pelos eventuais planos de conexão que assinem. Também não há distinção quanto aos destinatários. Esta é talvez a principal bandeira, que começa a ser ameaçada. Quando alguém clica para abrir meu blog, este blog, um desconhecido, ele abre com a mesma velocidade se o sujeito tivesse clicado para abrir a página do UOL ou do Google, tendo, novamente, sua velocidade limitada somente pela sua conexão e eventualmente pelo peso do site (quanto mais informações, como gráficos, mais pesada é a página). Há, atualmente, uma onda no sentido de restringir essa chamada neutralidade, possibilitando às operadoras de serviço na internet vender pacotes de prioridades. Significa dizer que quem compre pacotes de prioridade terá seus sites abertos mais rapidamente que aqueles que não os tenham. O UOL passará a abrir mais rápido que meu blog. Algum desavisado poderá enxergar benefícios nisso. Não há, e por isso os militantes da internet lutam contra tais medidas. Recentemente, o Chile foi o primeiro país do mundo a garantir em lei a neutralidade da rede. A partir desse paralelo podemos dizer que a internet é, hoje, com essas condições, algo similar à democracia que Tocqueville encontrou ao chegar na América no século XIX. Um campo de iguais possibilidades para todos, sem classes. Querem fazer com a internet o que fizeram com a democracia. Criar desigualdades e mascará-las sob uma igualdade formal, que difere muito do conceito original. Perdemos no tempo o conceito do que é democracia. Ainda nos resta rasgos de igualdade virtual.

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