sábado, 14 de novembro de 2009

Sobre Villa Lobos e companhias

Ontem a Filarmonia da Federal apresentou, no teatro da reitoria da UFPR, um espetáculo (subtantivo, não adjetivo, afinal, não sei se foi espetacular) com obras de Villa Lobos, em homenagem aos 50 anos de sua morte. Não foi nada histórico, eu creio, mas ainda assim interessante. Queria ter ido, mas não fui. Não fui, sobretudo, e talvez unicamente, pela falta de companhias. É nesses momentos que nutro certas reflexões sobre o meu Eu, que nem sei se é apropriado colocar aqui, ao público. Como creio que este é um espaço semi-desértico, visitado eventualmente por três leitores, não acho que é problemático escrever para mim mesmo, me desnudando aqui, no espaço público, porém, vazio.
E qual é a reflexão de hoje? Curioso como até um tempo atrás, gostava, gostava mesmo, de ir ao cinema, por exemplo, sozinho. Sou contestador por natureza, tenho essa tendencia a ser a antítese. Quando leio um livro, sempre discordo, procurando ver "o outro lado" e contestar mentalmente o autor. Quando ouço um argumento, listo mentalmente as possiveis oposições a esse argumento. Gosto de ler Reinaldo Azevedo apenas para contestá-lo, para formular mentalmente meus argumentos e demonstrar como ele está errado. Às vezes leio muito mais quem eu discordo do que quem eu concordo. Em minha prateleira há livros de Fernando Henrique Cardoso e José Serra, mas não necessariamente por que eu concorde com eles. Recentemente, tenho feito o esforço para me tornar menos critico, nos ambientes sociais. A critica é importante quando discutimos sociedade ou política, mas não importa nas relações "mesquinhas" (não no sentido pejorativo, mas aquilo que é próprio do cotidiano) do dia-a-dia, do convivio com amigos. E por que estou falando disso? Ah, o cinema sozinho. Então, tenho essa tendencia a discordar, mesmo quando eu concordo, entende? Então, assistir um filme acompanhado era problematico para mim pois não conseguia formar um argumento próprio, uma opinião. Ao sentir as reações do "outro", minha tendencia era buscar outros pontos de vista, assim, sempre quando a outra pessoa gostava de filme, buscava argumentos desabonadores do filme, e eventualmente, acabava achando que não tinha gostado do filme, por esses argumentos que busquei, quando poderia ter gostado, se assistido sozinho. Para mim, assistir um filme sozinho era fundamental para a formulação da opinião própria. Isso foi no passado. Hoje já não vejo dessa forma, por uma série de motivos. Primeiro, influencias existirão sempre, seja das outras pessoas na sala, seja dos artigos que li, então por que a necesidade de neutralizar a influencia da pessoa diretamente ao lado? Segundo, aprendi, já há algum tempo, a não mais deixar me convencer pelos meus próprios argumentos. Posso até levantar os pontos desabonadors do filme, mas isso não quer dizer que ele seja ruim, também há pontos positivos. Terceiro, já não mais discordo só por que a outra pessoa gostou; tenho concordado bastante.
Então chega-se ao cerne do problema. Antigamente, gostava de ir ao cinema sozinho. Já faz um tempo, não diria que gostava, mas não me importava. Agora, me importo. Sabe, é preciso o convivio com o outro, para uma maior e melhor significação das coisas. Entendo, finalmente, que não existe sociedade do "eu", tudo é social, e necessito do outro para significar as coisas. Não há construção individual; todas as construções são sociais. Como eu escrevi um tempo atrás em uma prova (que ganhou a observação "lindo!" da professora) uma citação de Marcuse : "Não há felicidade na individualidade; ela só pode existir no outro". Não acho a palavra, o termo, "felicidade" apropriado, pois é restrito à esfera individual do ser (feliz), e não representa a amplitude maior que vejo na frase. Para mim, o significado de felicidade aqui, não é somente a alegria individualista, mas a significação coletiva, a própria produção de um ser. Não há nada na individualidade, os seres, nós; só passamos a existir no outro. Por isso, cada vez mais me sinto sozinho, quando vou sozinho ao cinema. Por isso, cada vez mais não vou ao cinema. Como não fui ver Villa Lobos ontem.
Espetáculos artísticos, e não só eles, significam algo muito, muito maior do que arte ou diversão. Um cinema, um concerto, um jogo de futebol, agora entendo melhor, são muito mais do que um cinema, um concerto, um jogo de futebol. São significações compartilhadas. A produção compartilhada de sentimentos. A arte (ou diversão) não deixa de ser importante, ainda vamos analisar a atuação dos atores, a técnica dos instrumentistas, ou a habilidade dos futebolistas, mas há algo maior do que o filme em si, ou o resultado do jogo. O comentário sobre o filme, ou sobre a tabela do campeonato. O sentimento de pertencimento a um todo. Todos precisamos pertencter a um todo maior, o time de futebol, o partido político. Mas não basta a esfera macro, é necessária a esfera micro, o grupo de amigos que também pertencem a esse todo, e no qual você reproduz esses discursos. Poderia falar aqui da importancia das esferas micro para a reprodução do sistema, das esferas macro, mas não é minha intenção hoje, deste texto. Continuando. Falta-me esse sentimento de pertencimento ao micro. Minhas amigas hoje saem, vão ao teatro e à balada. Inveja. Inveja boa, nada deteriorante, apenas o desejo de também pertencer a uma esfera micro. Ora, também não sou um sujeito completamente isolado do mundo. Tenha minhas esferas de amigos, queridos e grandes amigos. Sentidos compartilhados, seja nas manhãs de quinta-feira, no Mercadorama, seja nas festas do pessoal do Enuds, na Centran... Apenas, vez por outra, sinto falta de uma companhia ao cinema, ou à Villa Lobos. Não lembro quem disse, outro dia, que o problema são meus gostos, pois dificilmente outro jovem gosta de música classica ou cinema do leste europeu. Talvez seja isso, em parte, mas meus gostos não se restrigem a isso. Por mim, adoraria ir ao cinema ver o último blockbuster ou ao lupaluna. O problema aqui é que, essas esferas, blockbuster e lupaluna, são esferas, essencialmente, sociais. Posso até aproveitar música clássica sozinho (ainda que preferisse estar acompanhado), mas não um show de rock. A partir do momento que tenha companhia, irei a todos lugares, ainda que, a priori, não goste de hard metal ou romance agua-com-açucar. Como já disse, mais importante que o filme ou a música, é a produção de sentidos compartilhados, e para isso, bastam os amigos ao lado.

Um comentário:

Carlos Pegurski disse...

Tem um jornalista, Milton Severiano com y em algum lugar do nome, que usa muito um recurso que vc usou.
"Lá pelos idos de não sei quando aconteceu não sei o que de tal jeito com tais pessoas. Por que estou falando disso? Ah, sim, por isso: tal e tal analogia." Normalmente irônica.
Mas por que estou falando disso? Ah, sim: você fez companhia a ele.