Borges, lembra-se sempre Marina. Foi com Borges que Walter a conquistou. Estavam numa festa quando se conheceram, ele puxou papo, e ela disse que gostava de poesia, de Borges. “Jorge Luis Borges, é tocante”, ele emendou. Ela apaixonou-se naquele momento. Pediu um minuto e correu para contar, eufórica, para Marli, sua melhor amiga “Ele conhece Borges, ele conhece Borges!”. Não, ele não conhecia Borges, mas enganava muito bem. O papo deslanchou, e no dia seguinte se viram de novo. No primeiro fim de semana ele a levou ao cinema, e depois a levou para sua casa. “Não faz nem uma semana que nos conhecemos...”, disse ela, voz melosa, enquanto ele beijava impaciente seu pescoço e descia pelo seu ombro, as mãos esforçando-se em se desvencilhar de suas roupas. “Vai ser bom, prometo”. Ele é seu primeiro, mas ela não era a primeira dele. Os encontros tornaram-se freqüentes e a coisa ficou séria. Ela engravidou, e se casaram pouco tempo depois. Ambos aceitaram a situação tacitamente, era cômodo para eles.
"Ah, isso já faz tanto tempo" – resmunga Marina, ar pesado na voz. – "muitos anos".
As crianças correm pela casa enquanto Marina tenta preparar alguma coisa no fogão. Waltinho tem 11 anos e Luisa Maria tem 8 anos. Luisa Maria era o nome da avó de Walter e ele insistiu no nome, mesmo Marina não gostando, por que havia feito uma promessa. Marina acabou cedendo. É raro eles receberem alguém em casa, fora os amigos de futebol de Walter, mas vez por outra vem visita. Marli veio jantar na casa de Marina esta noite, e era isso que Marina se esforçava em cozinhar, enquanto tentava controlar as crianças. Marli era a melhor amiga de Marina, mas fazia muito tempo que não se viam, desde que Marli se casou com um estrangeiro e agora vivia viajando o mundo, junto com o marido, que ia a negócios. À noite, os dois casais jantaram. Marli elogiou Marina, disse que estava bonita. Marina sabia que era mentira, que era só gentileza de sua antiga amiga. Walter deu pulos na cadeira quando viu o jantar “Ah, hoje vamos ter comida boa. É a única coisa boa de receber visitas”. Marli não disse nada, por não saber o que falar. Marina acenou com a cabeça, pela falta de jeito e compostura do marido. Walter começou a contar para o marido de Marli como conquistou Marina falando de Borges, mesmo sem conhecer o dito-cujo. Ele sempre contava essa história para as pessoas, e ela odiava! “Não precisa ficar contando como você me enganou, está bem?” Mas Walter continuava “Eu ia ouvindo o que ela falava do tal João Luis Borges, e depois repetia..”. “Jorge!” – deu um grito Marina – “Jorge Luis Borges. Ao menos o nome fale direito!”. Marli percebeu que estava na hora de sair, despediram-se, beijinhos, promessas de se verem com mais freqüência.
Walter e Marina não eram felizes juntos, mas provavelmente também não seriam felizes separados, então deixavam a coisa continuar. Era cômodo. Walter continuava enganando Marina. Começou enganando com Borges, e agora enganava com outras mulheres. Marina sabia, sentia sem querer o perfume nas roupas dele, via as marcas de outras mulheres, mas não se importava; era indiferente. Borges também era indiferente, nunca mais lera poesia. A poesia não fazia mais sentido para ela, não lhe tocava mais. Estava adormecida, para a traição, para a poesia, para a vida. Continuava vivendo, sem viver. Certo dia, pegou Luisa Maria com um antigo e amarelado livro seu de poesias, se esforçando para lê-lo. "Onde você achou isso, menina?"; "Jogado por aí, nas suas coisas, mamãe, junto com as fotos antigas da vovó.". Marina tomou-lhe o livro da mão, dizendo que aquilo não prestava, e que não servia pra nada. Jogou o livro na lixeira da cozinha, em meio a restos de cascas de frutas e outros alimentos. Sentou-se na sua cama, em meio aos bichos de pelúcia. Bichos de pelúcia. Era a única coisa que ainda tocava ela. Meio infantil talvez, mas talvez fosse mesmo a tentativa de se apegar à sua infância, à outros tempos. Tinha muitos, espalhados pela cama, pelos cantos, pelo chão do quarto, vários tipos, tamanhos, cores... Walter odiava aquilo, dizia que só ocupava espaço e juntava poeira. Mas era a única coisa que ainda fazia Marina saber que estava viva. Num rompante, voltou à cozinha e pegou o livro amarelado da lixeira, limpando-o com as pontas dos dedos, e abriu numa página aleatória. Era um poema chamado "elegia da lembrança impossível", que falava sobre a memória, as lembranças e como ele se sentia consigo mesmo e com a situação do hoje. Nada fez mais sentido para ela, como no passado fazia. Jogou o livro de volta no lixo. Voltou para seus bichos de pelúcia.
Certo fim de semana, Marina foi visitar os país, que agora moravam no interior. Foi no sábado, com a promessa que voltaria domingo à noite. "Você vai ficar bem? Sabe se virar com a comida? Não quer mesmo vir junto?", "Não, não, fique tranquila, Marina. Vou ficar por aqui, chamar o pessoal pra ver o futebol domingo, beber umas cervejas". Marina foi. E voltou domingo à noite, como combinado. Segunda, Walter trabalhando, crianças na escola, e Marina na solidão de sua casa. Ao menos tinha seus bichos de pelúcia como companhia. Seus bichos de pelúcia, ah, seus bichos de pelúcia. Batom. Seus bichos de pelúcia manchados de batom, com cheiro de mulher. Seus bichos de pelúcia! Não se importava com quantas mulheres Walter a traísse, mas seus bichos de pelúcia.. Seus bichos de pelúcia!!! Aquilo lhe despertou alguma coisa, não sabia bem o que, que sentimento era aquele... era raiva, toda a raiva e a frustração de sua vida contidas. Finalmente algo conseguira canalizar aquilo tudo. Estava viva, enfim. Sorriu, por que ainda era capaz de sentir. Sim, sentia, e estava viva, tinha sentimentos. Ela escolheu um bicho, o que tinha a marca de batom mais visível, e o guardou, embalado num saco plástico, como um troféu, como uma lembrança que era capaz de sentir. Os outros lavou. Primeiro lavou em casa, repetidas vezes, depois mandou lavar, e depois relavar, noutra lavanderia, sim, agora já deviam estar limpos, depois de muitos dias lavando e relavando. Eram novamente seus bichos de pelúcia, mas aquele um ficou guardado, longe da vista de Walter. Não falou nada com Walter, mas pensou, pensou o que poderia fazer.
Depois de pensar muito chegou a conclusão que também devia trai-lo, já que era o que ele gostava de fazer. "Mas como vou arranjar alguém para trai-lo?", pensou, e pôde imaginar o que Marli teria dito, se estivesse ali "Ah, minha filha, isso você vai ver que aparece fácil". O imaginário conselho de Marli estava certo, e Marina encontrou fácil homens dispostos a uma aventura sem compromisso. Um, dois, muitos... O primeiro dia que saiu determinada a fazer isso, arrumou-se como há muito não fazia. Mudou o cabelo e colocou um vestido decotado que lhe favorecia muito. Nunca havia traido Walter, nunca tinha feito amor com outro homem. A primeira vez foi estranho, diferente de Walter, não sabia direito o que fazer. A segunda vez foi melhor, bem melhor, muito bom. E nisso ela estabeleceu uma rotina, uma rotina de traição. Todos os dias. Experimentou coisas novas, e gostou. Certo dia, resolveu levar um rapaz para sua casa. Queria fazer sexo na cama deles, que Walter a tinha traido. Achegou-se aos bichos de pelúcia. Abraçava seus bichos de pelúcia enquanto aquele homem a penetrava, e sentiu uma coisa que nunca havia sentido antes, uma coisa incontrolável. Tivera múltiplos orgasmos naquela tarde. O rapaz ficou impressionado com o vigor dela, e ficou com o ego inflado, achando ser por causa de seu desempenho. Tornou-se rotina ela levar homens para sua casa. Repetia os caras, mas gostava mesmo de novidades, de variar. Certo dia pensou "Que graça tem, se o Walter nem sabe? Talvez até desconfie, mas ele não sabe". Assim, no dia seguinte deu orientações às crianças para irem pousar na casa de um dos amiguinhos, com uma desculpa qualquer. Chamou um de seus preferidos para ficar até mais tarde, que a casa estaria livre. A casa não estaria livre, na verdade. Marina e o amante estavam no quarto, em pleno ato, no finzinho de tarde em que Walter chegou. Ouviu os gemidos e foi para o quarto. Viu o homem sobre sua esposa, ela de frente para a porta, já esperando por ele, para olhar-lhe os olhos enquanto era comida. Marina olhou nos olhos de Walter enquanto era comida e sorriu. Walter saiu, voltou para a sala, impassível e sem esboçar emoção, sentou-se no sofá, e ligou a televisão. Walter tinha uma relação com o sofá como Marina tinha com seus bichos de pelúcia; era a única coisa que ainda lhe dava algum prazer - sua vida era tão anestesiada quanto a dela, mas ninguém nunca percebeu, nem mesmo Marina. Passava um programa policial. Deixou no canal, para ver os crimes e atrocidades do dia. Que barbaridade de mundo! Marina pensou em ir atrás de Walter para saber sobre sua reação, estava curiosa, mas terminou o ato antes, para ferir mais Walter. Mas ela não conseguia ferir Walter. Ela gemeu alto, gozando de prazer, como nunca havia feito com Walter, e ele, impassível, assistindo o programa policial na televisão. Terminaram, e ela acompanhou o homem até a porta. Passaram pela sala e por Walter, vendo TV. Ela, de hobby novo, sensual e transparente, sentou-se ao lado dele no sofá. "Tá bom o programa?", Marina perguntou, sem mais o que dizer. Walter acenou com a cabeça. "Não diz nada?", perguntou Marina. "Eu comi uma garotinha de 20 anos agora pouco, antes de vir pra casa. Você sabe disso... Você também tem direito. Por mim, tudo bem", "Tudo bem eu trepar com outros homens?", "Sim, eu também faço isso... quer dizer, com mulheres, claro". Marina saiu para o quarto, sem saber o que dizer ou qual reação ter diante da situação, a apatia voltando a dominá-la, enquanto Walter gritava da sala para ela poder escutar no quarto "E a janta, cadê?"
Não se falou mais nisso, depois. E a vida continuou. De raro em raro, ele procurava ela, à noite, entre os lençóis. Ela ficava inerte, como uma morta. Ela fazia seu trabalho, e parecia nem perceber que ela não estava ali, realmente. Pareciam os dois mortos, a bem dizer da verdade. A vida voltou a ser o que sempre foi, o que na verdade, nunca deixou de ser. Marina ainda saia com homens à tarde, mas ao poucos foi parando, não via mais graça naquilo, não via mais graça em nada. Walter continuava distante, ausente, como sempre, como se não existisse. A relação de ambos com as crianças também era mecanica. Marina não amava os filhos, e sabia disso. Eles lhe eram indiferentes. Ela cozinhava, lavava roupa, dava de comer, de vez em quando falava amenidades, mas não tinha uma relação, eram como cães distantes, de rua, que ela cuidava. Não, não, pelos cães as pessoas sentem amor, então eles não eram como cães não. Eles eram apenas mais um compromisso, indiferente. Para Walter também, bem, Walter nunca estava lá, mesmo quando estava lá, Walter não existia... Nisso as crianças cresceram sozinhas, tomando conta de si mesmas. Eram como órfãs, mas com pai e mãe e casa. O tempo passou, e tudo continuou na mesma, como sempre foi. O tempo passou mesmo? Parece tudo tão igual... As crianças também cresceram, e por serem orfãs, se tornaram amigas. Foi Luisa Maria que deu as dicas para Waltinho conquistar sua primeira namorada, sobre os gostos de uma menina, e quando Luisa Maria menstruou pela primeira vez foi Waltinho que lhe acalmou do susto, e, pegando dinheiro do esconderijo do pai, marcou uma consulta com o médico para lhe explicar o que tava acontecendo. Cresceram sozinhas, as crianças. Brigavam também, e elas mesmas tomavam a iniciativa de se reconciliar - se não o fizessem, ninguem mais faria. E nisso foram crescendo.
"Ah, isso já faz tanto tempo" – resmunga Marina, ar pesado na voz. – "muitos anos".
As crianças correm pela casa enquanto Marina tenta preparar alguma coisa no fogão. Waltinho tem 11 anos e Luisa Maria tem 8 anos. Luisa Maria era o nome da avó de Walter e ele insistiu no nome, mesmo Marina não gostando, por que havia feito uma promessa. Marina acabou cedendo. É raro eles receberem alguém em casa, fora os amigos de futebol de Walter, mas vez por outra vem visita. Marli veio jantar na casa de Marina esta noite, e era isso que Marina se esforçava em cozinhar, enquanto tentava controlar as crianças. Marli era a melhor amiga de Marina, mas fazia muito tempo que não se viam, desde que Marli se casou com um estrangeiro e agora vivia viajando o mundo, junto com o marido, que ia a negócios. À noite, os dois casais jantaram. Marli elogiou Marina, disse que estava bonita. Marina sabia que era mentira, que era só gentileza de sua antiga amiga. Walter deu pulos na cadeira quando viu o jantar “Ah, hoje vamos ter comida boa. É a única coisa boa de receber visitas”. Marli não disse nada, por não saber o que falar. Marina acenou com a cabeça, pela falta de jeito e compostura do marido. Walter começou a contar para o marido de Marli como conquistou Marina falando de Borges, mesmo sem conhecer o dito-cujo. Ele sempre contava essa história para as pessoas, e ela odiava! “Não precisa ficar contando como você me enganou, está bem?” Mas Walter continuava “Eu ia ouvindo o que ela falava do tal João Luis Borges, e depois repetia..”. “Jorge!” – deu um grito Marina – “Jorge Luis Borges. Ao menos o nome fale direito!”. Marli percebeu que estava na hora de sair, despediram-se, beijinhos, promessas de se verem com mais freqüência.
Walter e Marina não eram felizes juntos, mas provavelmente também não seriam felizes separados, então deixavam a coisa continuar. Era cômodo. Walter continuava enganando Marina. Começou enganando com Borges, e agora enganava com outras mulheres. Marina sabia, sentia sem querer o perfume nas roupas dele, via as marcas de outras mulheres, mas não se importava; era indiferente. Borges também era indiferente, nunca mais lera poesia. A poesia não fazia mais sentido para ela, não lhe tocava mais. Estava adormecida, para a traição, para a poesia, para a vida. Continuava vivendo, sem viver. Certo dia, pegou Luisa Maria com um antigo e amarelado livro seu de poesias, se esforçando para lê-lo. "Onde você achou isso, menina?"; "Jogado por aí, nas suas coisas, mamãe, junto com as fotos antigas da vovó.". Marina tomou-lhe o livro da mão, dizendo que aquilo não prestava, e que não servia pra nada. Jogou o livro na lixeira da cozinha, em meio a restos de cascas de frutas e outros alimentos. Sentou-se na sua cama, em meio aos bichos de pelúcia. Bichos de pelúcia. Era a única coisa que ainda tocava ela. Meio infantil talvez, mas talvez fosse mesmo a tentativa de se apegar à sua infância, à outros tempos. Tinha muitos, espalhados pela cama, pelos cantos, pelo chão do quarto, vários tipos, tamanhos, cores... Walter odiava aquilo, dizia que só ocupava espaço e juntava poeira. Mas era a única coisa que ainda fazia Marina saber que estava viva. Num rompante, voltou à cozinha e pegou o livro amarelado da lixeira, limpando-o com as pontas dos dedos, e abriu numa página aleatória. Era um poema chamado "elegia da lembrança impossível", que falava sobre a memória, as lembranças e como ele se sentia consigo mesmo e com a situação do hoje. Nada fez mais sentido para ela, como no passado fazia. Jogou o livro de volta no lixo. Voltou para seus bichos de pelúcia.
Certo fim de semana, Marina foi visitar os país, que agora moravam no interior. Foi no sábado, com a promessa que voltaria domingo à noite. "Você vai ficar bem? Sabe se virar com a comida? Não quer mesmo vir junto?", "Não, não, fique tranquila, Marina. Vou ficar por aqui, chamar o pessoal pra ver o futebol domingo, beber umas cervejas". Marina foi. E voltou domingo à noite, como combinado. Segunda, Walter trabalhando, crianças na escola, e Marina na solidão de sua casa. Ao menos tinha seus bichos de pelúcia como companhia. Seus bichos de pelúcia, ah, seus bichos de pelúcia. Batom. Seus bichos de pelúcia manchados de batom, com cheiro de mulher. Seus bichos de pelúcia! Não se importava com quantas mulheres Walter a traísse, mas seus bichos de pelúcia.. Seus bichos de pelúcia!!! Aquilo lhe despertou alguma coisa, não sabia bem o que, que sentimento era aquele... era raiva, toda a raiva e a frustração de sua vida contidas. Finalmente algo conseguira canalizar aquilo tudo. Estava viva, enfim. Sorriu, por que ainda era capaz de sentir. Sim, sentia, e estava viva, tinha sentimentos. Ela escolheu um bicho, o que tinha a marca de batom mais visível, e o guardou, embalado num saco plástico, como um troféu, como uma lembrança que era capaz de sentir. Os outros lavou. Primeiro lavou em casa, repetidas vezes, depois mandou lavar, e depois relavar, noutra lavanderia, sim, agora já deviam estar limpos, depois de muitos dias lavando e relavando. Eram novamente seus bichos de pelúcia, mas aquele um ficou guardado, longe da vista de Walter. Não falou nada com Walter, mas pensou, pensou o que poderia fazer.
Depois de pensar muito chegou a conclusão que também devia trai-lo, já que era o que ele gostava de fazer. "Mas como vou arranjar alguém para trai-lo?", pensou, e pôde imaginar o que Marli teria dito, se estivesse ali "Ah, minha filha, isso você vai ver que aparece fácil". O imaginário conselho de Marli estava certo, e Marina encontrou fácil homens dispostos a uma aventura sem compromisso. Um, dois, muitos... O primeiro dia que saiu determinada a fazer isso, arrumou-se como há muito não fazia. Mudou o cabelo e colocou um vestido decotado que lhe favorecia muito. Nunca havia traido Walter, nunca tinha feito amor com outro homem. A primeira vez foi estranho, diferente de Walter, não sabia direito o que fazer. A segunda vez foi melhor, bem melhor, muito bom. E nisso ela estabeleceu uma rotina, uma rotina de traição. Todos os dias. Experimentou coisas novas, e gostou. Certo dia, resolveu levar um rapaz para sua casa. Queria fazer sexo na cama deles, que Walter a tinha traido. Achegou-se aos bichos de pelúcia. Abraçava seus bichos de pelúcia enquanto aquele homem a penetrava, e sentiu uma coisa que nunca havia sentido antes, uma coisa incontrolável. Tivera múltiplos orgasmos naquela tarde. O rapaz ficou impressionado com o vigor dela, e ficou com o ego inflado, achando ser por causa de seu desempenho. Tornou-se rotina ela levar homens para sua casa. Repetia os caras, mas gostava mesmo de novidades, de variar. Certo dia pensou "Que graça tem, se o Walter nem sabe? Talvez até desconfie, mas ele não sabe". Assim, no dia seguinte deu orientações às crianças para irem pousar na casa de um dos amiguinhos, com uma desculpa qualquer. Chamou um de seus preferidos para ficar até mais tarde, que a casa estaria livre. A casa não estaria livre, na verdade. Marina e o amante estavam no quarto, em pleno ato, no finzinho de tarde em que Walter chegou. Ouviu os gemidos e foi para o quarto. Viu o homem sobre sua esposa, ela de frente para a porta, já esperando por ele, para olhar-lhe os olhos enquanto era comida. Marina olhou nos olhos de Walter enquanto era comida e sorriu. Walter saiu, voltou para a sala, impassível e sem esboçar emoção, sentou-se no sofá, e ligou a televisão. Walter tinha uma relação com o sofá como Marina tinha com seus bichos de pelúcia; era a única coisa que ainda lhe dava algum prazer - sua vida era tão anestesiada quanto a dela, mas ninguém nunca percebeu, nem mesmo Marina. Passava um programa policial. Deixou no canal, para ver os crimes e atrocidades do dia. Que barbaridade de mundo! Marina pensou em ir atrás de Walter para saber sobre sua reação, estava curiosa, mas terminou o ato antes, para ferir mais Walter. Mas ela não conseguia ferir Walter. Ela gemeu alto, gozando de prazer, como nunca havia feito com Walter, e ele, impassível, assistindo o programa policial na televisão. Terminaram, e ela acompanhou o homem até a porta. Passaram pela sala e por Walter, vendo TV. Ela, de hobby novo, sensual e transparente, sentou-se ao lado dele no sofá. "Tá bom o programa?", Marina perguntou, sem mais o que dizer. Walter acenou com a cabeça. "Não diz nada?", perguntou Marina. "Eu comi uma garotinha de 20 anos agora pouco, antes de vir pra casa. Você sabe disso... Você também tem direito. Por mim, tudo bem", "Tudo bem eu trepar com outros homens?", "Sim, eu também faço isso... quer dizer, com mulheres, claro". Marina saiu para o quarto, sem saber o que dizer ou qual reação ter diante da situação, a apatia voltando a dominá-la, enquanto Walter gritava da sala para ela poder escutar no quarto "E a janta, cadê?"
Não se falou mais nisso, depois. E a vida continuou. De raro em raro, ele procurava ela, à noite, entre os lençóis. Ela ficava inerte, como uma morta. Ela fazia seu trabalho, e parecia nem perceber que ela não estava ali, realmente. Pareciam os dois mortos, a bem dizer da verdade. A vida voltou a ser o que sempre foi, o que na verdade, nunca deixou de ser. Marina ainda saia com homens à tarde, mas ao poucos foi parando, não via mais graça naquilo, não via mais graça em nada. Walter continuava distante, ausente, como sempre, como se não existisse. A relação de ambos com as crianças também era mecanica. Marina não amava os filhos, e sabia disso. Eles lhe eram indiferentes. Ela cozinhava, lavava roupa, dava de comer, de vez em quando falava amenidades, mas não tinha uma relação, eram como cães distantes, de rua, que ela cuidava. Não, não, pelos cães as pessoas sentem amor, então eles não eram como cães não. Eles eram apenas mais um compromisso, indiferente. Para Walter também, bem, Walter nunca estava lá, mesmo quando estava lá, Walter não existia... Nisso as crianças cresceram sozinhas, tomando conta de si mesmas. Eram como órfãs, mas com pai e mãe e casa. O tempo passou, e tudo continuou na mesma, como sempre foi. O tempo passou mesmo? Parece tudo tão igual... As crianças também cresceram, e por serem orfãs, se tornaram amigas. Foi Luisa Maria que deu as dicas para Waltinho conquistar sua primeira namorada, sobre os gostos de uma menina, e quando Luisa Maria menstruou pela primeira vez foi Waltinho que lhe acalmou do susto, e, pegando dinheiro do esconderijo do pai, marcou uma consulta com o médico para lhe explicar o que tava acontecendo. Cresceram sozinhas, as crianças. Brigavam também, e elas mesmas tomavam a iniciativa de se reconciliar - se não o fizessem, ninguem mais faria. E nisso foram crescendo.
Um dia, Marina estava arrumando o guarda-roupa e caiu um saco-plástico. Havia muito tempo não via aquele saco plástico, bem lacrado e escondido. Era um bicho de pelúcia com batom de uma das amantes de Walter. Fazia tempo Marina não colecionava mais bichos de pelúcia. Eles continuavam jogados por ali, por pura indiferença, mas ela não nutria mais nada por eles. Pegou alcool e foi para o quintal. Resolveu queimá-lo. Ficou vendo ele arder, com o batom que um dia fez ela sentir alguma coisa, mas que não fazia mais. Foi quando percebeu nem mais os seus bichinhos tinham algum efeito sobre ela. "E se eu queimasse todos?", pensou. Buscou todos no quarto, juntou um por um. Teve que fazer várias viagens do quintal ao quarto, mas estavam todos ali, numa pilha. Pegou mais alcool, e caprichou, não ia querer que algum escapasse. Riscou o fósforo e ateou fogo naquilo que um dia foi a única coisa que ainda a lembrava que era um ser humano de emoções. Sorriu, os olhos brilhando, ao ver as chamas de tantas pelúcias. Voltou ao quarto, fez uma mala, com apenas algumas mudas de roupa, e parou. Olhou ao redor, como que se despedindo, se preparando para partir. Pegou o dinheiro de Walter do seu esconderijo - que esconderijo mais fajuto, todo mundo sabia onde era! - e partiu. Não havia mais nada que a prendesse naquela casa. Nem por um instante pensou nas crianças. Crianças? Nem isso eram mais, há muito tempo, desde que perderam pai e mãe, desde que nasceram. Walter chegou a noite e Marina não estava. Não se espantou, há muito já esperava por isso.
A vida de Walter continuava igual, sem Marina. Era como se ela fosse indiferente, como também ele era indiferente. Agora era Luisa Maria quem cozinhava, e odiava isso! Parecia ter sido a única coisa que mudou. Algum tempo depois, a mãe de Marina bateu na porta de Walter. Sabia que do que aconteceu, mas não sabia de sua filha, sumira no mundo. Ela viera para levar as crianças, como ainda as chamava. Esperava enfrentar a resistencia de Walter, e estava pronta para brigar, mas ele só acenou com a cabeça que sim, podia leva-las para... nem sabia para onde, mas podia levá-las. Waltinho e Luisa Maria estranharam a mudança, do nada, mas aceitaram a situação. Fizeram as malas, e foram embora com dona Egê naquela mesma noite. Enquanto esperava as crianças arrumarem suas coisas, dona Egê ficou em pé, na sala, apenas observando com estranheza o modo como Walter apenas ficava lá, impassível, sentado no sofá frente à TV. Naquela noite passava um programa sobre música, com calouros que eram candidatos a cantores. Qualquer coisa que passasse estava bom. As crianças e a sogra se foram. Waltinho nem se despediu; Luisa Maria ainda deu um beijo no bochecha do pai, sussurrando um "tchau, pai", enquanto ele parmanecia sentado no sofá. Dona Egê mesmo fechou a porta ao sair. Walter não se levantou.
A vida de Walter continuava igual, sem Marina. Era como se ela fosse indiferente, como também ele era indiferente. Agora era Luisa Maria quem cozinhava, e odiava isso! Parecia ter sido a única coisa que mudou. Algum tempo depois, a mãe de Marina bateu na porta de Walter. Sabia que do que aconteceu, mas não sabia de sua filha, sumira no mundo. Ela viera para levar as crianças, como ainda as chamava. Esperava enfrentar a resistencia de Walter, e estava pronta para brigar, mas ele só acenou com a cabeça que sim, podia leva-las para... nem sabia para onde, mas podia levá-las. Waltinho e Luisa Maria estranharam a mudança, do nada, mas aceitaram a situação. Fizeram as malas, e foram embora com dona Egê naquela mesma noite. Enquanto esperava as crianças arrumarem suas coisas, dona Egê ficou em pé, na sala, apenas observando com estranheza o modo como Walter apenas ficava lá, impassível, sentado no sofá frente à TV. Naquela noite passava um programa sobre música, com calouros que eram candidatos a cantores. Qualquer coisa que passasse estava bom. As crianças e a sogra se foram. Waltinho nem se despediu; Luisa Maria ainda deu um beijo no bochecha do pai, sussurrando um "tchau, pai", enquanto ele parmanecia sentado no sofá. Dona Egê mesmo fechou a porta ao sair. Walter não se levantou.
Walter lentamente se afundaria naquele sofá. Passou a dormir nele, nutria por ele uma relação quase religiosa, quase carnal. Ele o entendia, pois ele era confortável, acolhia seus ossos, já moldado às suas formas, como se tivesse sido feito para ele. Saía de manhã para trabalhar e voltava à tardezinha. Largara de lado as amantes. Não havia mais proposito nas coisas, se é que um dia houve. Houve quem ficasse, na casa de dona Egê, preocupado com Walter; podia querer se suicidar, alguem disse. Mas Walter não iria se suicidar. Não tinha disposição para isso. Seria um ato de sentimento, e Walter não sentia. Estava paralisado, e continuou na sua vida cotidiana, tal qual nada tivesse ocorrido. Algo poderia ter sido diferente? Já velho ficou doente, e levaram ele para um asilo, onde passou seus últimos dias. Morreu sozinho, como viveu. Não se soube mais noticias de Marina. Dizem, à boca pequena do interior, onde moram as crianças agora, que caiu na vida, numa dessas cidades grandes por aí. É, caiu na vida sabe, se deitava com homens para sobreviver. Que barbaridade de mundo! Mas também contam que não durou muito nessa vida. "Pareci ixageru o módi comu nóis conta" - relata um caipira do interior - "mais no fundo é verdadi. Sempre tem uns fundi de verdadi, por detrais das históia". Marina era bonita, não deslumbrante, mas bonita. Mas existe o tempo. Com o tempo, dizem, não conseguiu mais fazer aquilo para ganhar a vida. Contam que se envolveu com todo tipo de drogas, em busca de experiencias que a fizessem sentir. Sentir, éra o que desejava Marina, depois de tanta anestesia. Ficou eufórica quando conheceu a maconha, viu um monte de bolinhas cor de rosa piscando para ela quando conheceu a cocaina, e já não podia viver sem o crack. Era o que fazia ela viver. Teve algumas grandes experiencias nas drogas, mas em pouco tempo não faziam mais efeito, não sentia mais. Isso é só o que dizem, lá no interior. Mas sabe como é o interior, né? Um dia dona Egê recebeu um telefonema, que era para reconhecer um corpo. Parece que as histórias no fim eram verdade. Dizem, morreu num hospital não se sabe bem de que relacionado com as drogas, gritando de dor. Sentindo, enfim, alguma coisa.
As crianças cresceram cuidadas por dona Egê e brigaram. É inevitável, irmãos brigam. Luisa Maria não gostava do mato, como chamava a fazenda de dona Egê. Não era bicho para viver no mato, dizia. Um dia, tentou fugir de casa, mas não conseguiu ir longe. Odiava aquela casa e sonhava em ir embora, de volta para a cidade. Envolveu-se cedo com os rapazes. Muitos rapazes, do mato, da cidade, rico, pobre. Waltinho brigava com ela por causa disso. Com 16, ficou grávida de um caipira. Era mais caipira que os caipiras com quem morava, como chamava sua familia, mas resolveu se casar com ele. Tudo para abandonar aquele lugar, aquelas pessoas. Waltinho gritou com a avó, numa briga séria, nessa ocasião. Prevera que iria acontecer com Luisa Maria a mesma história da mãe, e que Egê estava vendo aquilo tudo acontecer denovo, e não fazia nada. Dona Egê dizia que se era vontade da menina, como ela podia impedir? "Talvez seja mesmo você a maldita. Amaldiçoou a vida de sua filha e agora vai amaldiçoar a vida da minha irmã" - acusou Waltinho à dona Egê. A única coisa que Waltinho conseguiu foi arrancar secretamente lágrimas de dona Egê, culpando-se pelas tragédias familiares. Rapidamente, coisa de dias, Luisa Maria casou com seu caipira e foi embora de casa. Done Egê não foi mais a mesma. Pouco tempo depois morreu, dormindo. De tristeza, dizem. Waltinho e Luisa Maria herdaram a fazenda, mas não valia grandes coisas. Como Luisa Maria já tinha seu lar, não se incomodou em deixar para Waltinho sua parte, na tentativa de estabalecer uma reconciliação com o irmão. Waltinho aceitou, mas não voltou falar com Luisa Maria. Waltinho vendeu a pequena fazenda pelo pouco que valia, pegou o dinheiro e foi embora daquele lugar. Ele, que nunca se importou com o lugar que morava, foi, enquanto a irmã, que durante tanto tempo quis sair dali, ficou. Luisa Maria mora num sitiozinho pequeno, humilde, e - o que não faz o amor - em pouco tempo aderiu totalmente à vida no campo. Se é feliz? "Sei não o que é isso. Assim, aqui a gente não fica pensando sobre essas coisa não. Aqui é bão; tem pão, tem leite, tem meu marido e minha filha. Tô contente demais, sô. Se isso é felicidade então eu sô". Luisa Maria teve uma filha. A batizou de Marina, o nome de sua mãe, que é por que se ela não foi feliz, algum dia, uma Marina há de ser feliz. O seu caipirinha, que é como chama carinhosamente o marido, concordou com a condição que o nome do próximo é ele quem escolhe; já até tem algumas idéias... Waltinho e Luisa Maria nunca mais se falaram. Dizem que Waltinho torrou todo o dinheiro na esbórnia, com mulheres, bebida e jogo. Muito jogo. Ganhou muito dinheiro numa epoca, é o que contam. Se tivesse parado, podia estar rico. Mas acabou perdendo tudo de volta. Gastou tudo, despreocupado com o futuro, com o amanhã. Quando acabou o dinheiro, começou a trabalhar em bicos, em trabalhos simples, humildes. Certo dia, pegou-se sentado no sofá, vendo TV, depois de chegar do trabalho. Viu-se no pai. Não pôde suportar aquilo, e, naquela noite mesmo, abandonou tudo. Deixou tudo o que tinha para trás, e sumiu, em busca de uma resposta para a vida. Nunca mais se ouviu falar de Waltinho. Dizem, as histórias do interior onde mora Luisa Maria, vagou por um tempo sem saber para onde, até que chegou ao mar. Encantou-se com o mar. Tornou-se pescador, construiu uma familia, e educou bem os filhos. Vive até hoje perto do mar, ouvindo o som das ondas a niná-lo, como sua mãe nunca o fez. Acorda cedo e ganha a vida com a força de seus braços. À tarde volta para casa trazendo sempre alguma coisa para a mulher e os filhos, e a beija como na primeira vez em que se beijaram. É feliz, como ninguém jamais foi. Isso é o que dizem as histórias lá do interior, mas você sabe como são essas histórias...
Um comentário:
Adorei o blog...vou deixar uma dica...li um livro "A Ordem é Amém", que relata a história de um falso pastor que tem sua vida transformada por Deus, é um livro muito surpreendente e emocionante, leiam vcs vão gostar eu o encontrei no site:www.seteseveneditora.com.br
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