Lembrei-me de Star Trek. A nova versão, feita ano passado. Inclusive, sobre este filme, gostei muito quando o vi na lista de possíveis cotados ao Oscar - uma pena que a cotação não se efetivou, mas continua sendo muito bom mesmo assim. O filme tem grandes qualidades, mas acredito que talvez a melhor seja sua "polissemia", por assim dizer. Tentarei explicar. Geralmente os filmes tais quais Star Trek, que já vêm de uma longa tradição cinematrográfica (e além) seguem um dos dois caminhos: ou são continuações, assumidamente para os fãs, para quem já conhece e está familizariado com aquele universo, ou, na segunda alternativa, negam o passado, ignoram os filmes anteriores, e tentam se re-inventar para as novas gerações, seja em refilmagens tradicionais, seguindo a linha do que já foi posto, seja mesmo recriando as histórias. Em qualquer uma das opções, desgrada-se um publico em potencial e o perde, seja os já fãs, seja as novas gerações. O grande mérito do novo Star Trek, que está essencialmente na sacada genial de seu roteiro, é que com uma complexa (mas de fácil assimilação) história sobre viagens no tempo e universos paralelos consegue o talvez inédito feito de agradar aos dois públicos (sem ser condescendente). O filme não nega todo o passado que já existiu, nos mais de dez filmes feitos até hoje da versão clássica. Este passado existiu, e está presente no filme. Mas ao mesmo tempo, dá um re-start na série, começando do principio da história classica dos personagens, mas alterando-a, sem ser uma mera refilmagem. O maior fã de Star Trek vai adorar o filme; quem (literalmente) nunca na vida ouviu falar de Capitao Kirk ou Spock também vai adorar o filme. É sobre este tão raro fator abrangente que quero falar hoje.
É raro ver isso, e, eu, na minha humildade linguistica, não sem bem como nomeá-lo. Agradar a gregos e troianos às vezes é possível. Mas o risco maior quando se tenta fazer isso, creio, é tornar-se apenas algo morno, nem quente, nem frio. Ficar em cima do muro é fácil. Mas ficar em cima do muro não é agradar a ambos os lados, é não agradar a nenhum. Por isso realmente admiro obras que conseguem dizer alguma coisa, e ainda assim ter uma visão ampla, que possa agradar (senão a todos) a muitos. E por que estou falando sobre isso agora? Começei a ler hoje o livro "Cartas entre amigos: sobre medos contemporaneos". Começei hoje, mas já li muito, como não devorava um livro desde que devorei o livro do Palocci, alguns meses atrás (geralmente leio muito devagar, deglutindo cada palavra).
Estou gostando muito, muito mesmo. São cartas trocadas entre o Padre Fábio de Melo, um dos grandes representantes da corrente carismática da igreja, e o político paulista Gabriel Chalita (ex-tucano, até ano passado - o que me fez pensar treze vezes antes de comprar o livro - hoje candidato ao Senado pelo PSB). Como o título já sugere, o tema são os medos contemporaneos, amor, morte, solidão, fé, e por aí vai. Sempre gostei do registro através de cartas - coisa muito, muito comum na literatura classica, na filosofia, em todas áreas de pensamento, até a metade do século XX, e hoje já esquecida. O livro está me agradando muito, e uma das causas esse limiar abrabrangente que tentei definir sem saber direito como. Ambos são intelectuais, e transparecem isso - as cartas contém recortes de poesia, de filosofia, não apenas opiniões, e não restritas a uma visão de mundo apenas (como poderia se supor, pelo fato de um dos autores ser padre). Mas a filosofia e a poesia amplamente citada não está lá como ostentação intelectual que se percebe em trabalhos academicos - ela sustenta e dá sentido ao pensamento, e responde aos questionamentos. Questiona-se, mas não é um manual de auto-ajuda barato. Estes, tentam vender respostas milagrosas e prontas, para como se tornar um gerente de sucesso, como ter uma familia feliz, etc e etc. O livro é um questionamento filosófico sobre a vida, mas não necessariamente se obriga a oferecer respostas. Não as oferece. Apenas propõe uma reflexão. Está me agradando, acredito que agradaria um academico, assim como agradaria igualmente um "mortal" não-iniciado. Estou impressionado.
P.S. Só a capa que é horrivel - parece coisa de dupla sertaneja, e não a reflexão filosófica que é.
P.S. Só a capa que é horrivel - parece coisa de dupla sertaneja, e não a reflexão filosófica que é.
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