quinta-feira, 29 de julho de 2010

Carta a C.D.

Ontem tive uma notícia (acadêmica) um tanto desagradável, embora ainda não confirmada. A C. talvez substitua o A. como professor das aulas de Linguagem Visual 2. Eu já conheci muitos, muitos professores ruins, péssimos em minha vida. Mesmo assim, a C. é muito provavelmente uma das piores professoras que já conheci. Em vista de algo tão desagradável, que é saber que terei que suportar sua má-qualidade (ia usar a palavra mediocridade, mas ela não chega a tanto) por mais um semestre e logo numa matéria que gosto, acho válido e justo publicar aqui o que penso sobre ela. Não estou falando pelas costas. Segue abaixo, cópia do e-mail que enviei a ela, algumas semenas atrás, alguns dias depois de acabado o semestre passado. Cheguei a pensar em publicar, à época. Depois deixei de lado, se tratava de uma questão pessoal, e o melhor seria deixá-la no passado. Mas já que ela retornou, acho conveniente me expressar. Sintetiza um pouco o que penso a respeito.


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Olá, C.,

Ao fim de todo semestre, costumo fazer uma avaliação íntima, pessoal, dos meus professores e do que foi e representou o processo pedagógico de aprendizado no semestre que se finda. Tenho especial atenção a este processo, pois me interesso pelo ambiente acadêmico e, havendo a possibilidade de ocupar o outro lado futuramente, dar aulas, atento-me sobre os processos didáticos e como se processam os aprendizados nas diferentes cognições que cada um de nós temos. Quando vejo que, determinado processo teve algo relevante, seja positiva ou negativamente, gosto de me expressar. Mas não gosto do sistema eletrônico de avaliação do professor disponibilizado pela universidade. Não acredito nele, por uma série de motivos que não são o tema deste escrito. Gosto de escrever diretamente para a pessoa envolvida. Assim, ao fim de todo semestre me ponho a escrever aos professores, às vezes pontuando o quanto foi proveitoso, às vezes tecendo críticas e indicando caminhos a aprimorar. As aulas de Editoração Gráfica 2, como todos chamam a disciplina (oficialmente, no currículo, a disciplina chama-se Editoração Eletrônica: Editoração Gráfica), ministradas por você, C., me inspiraram a escrever mais uma carta de final de semestre. Esta. Evidentemente, tudo que digo diz respeito à minha perspectiva, que possivelmente seja diferente da de outros de meus colegas.

Uma primeira questão diz respeito às qualificações. Ninguém questiona suas qualificações enquanto designer formada, preparada. Mas o que se averigua, na prática, pelo menos na minha perspectiva, é diferente. Questionada sobre algo, você se senta ao computador, e vai mexendo no programa, longamente, como que para descobrir. Veja, não é o aluno que vai mexendo, para aprender, mas você que vai mexendo, para descobrir (o que é outro ponto questionável: fazer para demonstrar, no lugar de orientar oralmente para que o aluno faça). “Ah, esses programas mudam tanto...”, é uma frase dita mais de uma vez por você. O professor tem que ter o domínio sobre o conteúdo ministrado. O que não significa assumir uma posição de onisciente, que tudo sabe; evidentemente existem limitações e é salutar assumi-las. Mas sobre o conteúdo mínimo, há sim, que se ter domínio. Os melhores professores sabem de memória e versam a respeito dos conteúdos que ministram. Seu objeto de estudo é prático, não teórico, e também deveria saber este de memória. A hesitação, que repetidas vezes, demonstra, gera insegurança no aluno. Ainda é uma atitude melhor do que reprimir perguntas, mas não é a melhor das atitudes a serem tomadas. O melhor seria saber e ter domínio sobre o que se ensina.

Veja, você é simpática. Sim, muito. Extremamente simpática. Tanto que eu, que procuro não me deixar envolver por tais seduções, muitas vezes não disse o que pensava para não "desagradar". Se comigo foi assim, imagine com outros, que consideram a "amizade" e a "simpatia" elementos básicos necessários... Mas esta não é a função do professor. Me pergunto: de que adianta eu deixar de falar que não gostei, para não desagradar? Vai te aprimorar, fazê-la melhor? Não. Portanto, usar a simpatia para ocultar e afastar as críticas também não é uma atitude correta a se tomar, ainda que tenha sido tomada em nível inconsciente, não-proposital.  Esta é uma questão essencial. O professor não tem que ser simpático nem amigo. Isso não significa se afastar, não ser cordial, tratar mal. De forma alguma, pois se isso ocorresse faria mal igual. Mas amigo e professor tem funções diferentes. O amigo está ali para te apoiar, mesmo sabendo do seu erro. O professor deve implacavelmente apontar o erro, para você mudar. Amigo não muda nem forma estruturas cognitivas, para usar um termo da área. Isso é dever do professor. E ele não pode fazê-lo sendo amigo, passando a mão na cabeça.

Por diversas vezes, você repetiu frases tais como “Depois vocês vão chegar no mercado, e vão se dar mal” ou “Eu vou passar vocês agora, e depois o mercado vai selecionar”. Você demonstra uma atenção excessiva ao mercado, típica de quem não tem formação em uma área de educação (tratarei disso adiante). Valendo sua opinião, o mercado se encarregaria de tudo, das notas, das aprovações... Se há tanto mercado, para que estamos na universidade? Vou dizer: o mercado não existe. O mercado não interessa. Por mais que alunos (há pouco você também era uma aluna), ávidos pelo trabalho qualificado, queriam acreditar que sim, a universidade não se reporta ao mercado. Não é seu papel, no tocante a filosofia da educação. O papel da universidade é a construção do saber. Ponto. E isso vale também para os cursos de tecnologia, a saber.

Outra coisa que, por diversas vezes, e repetidas vezes, você disse é a respeito da pertinência da disciplina na grade curricular de nosso curso. Você acredita, palavras suas, que ela não deveria existir ou pelo menos ser optativa. Que, em sendo uma coisa que nem todos gostam ou tem aptidão, você não pode cobrar isso dos alunos. Novamente palavras suas. Aqui se tem uma série de equívocos. Primeiro. É bem evidente seu sentimento de corporativismo junto ao design. Você é da área do design, e acredita que estamos roubando o espaço de sua área. Diversas vezes disse coisas como “isso se aprende em 4 anos no design, como vou ensinar em um semestre?” ou “No design, existe uma disciplina inteira só pra esse item X. Vocês não têm como aprender, vocês não vão aprender”. Com isso, determina previamente que não vamos aprender, que não podemos aprender, ou aprender bem. Fica bem evidente seu pré-determinismo, antes mesmo de começar as aulas, não? Você tenta defender sua área, mas se esquece que design, assim como a comunicação, não é ciência e qualquer idiota faz. E isso é verdade. Lamento o linguajar, mas é necessário. Não se faz medicina ou engenharia sem estudo e fundamentação, assim como também não se faz sociologia ou filosofia sem isso. Mas mesmo a comunicação, não requer fundamentação para ser feita, assim como o design também não. Todas as teorias que tivemos de comunicação serviram sim, e ajudam, como um lastro para a prática, mas alguém que nunca ouviu falar de Kunsh, Teobaldo, Adorno, Habermas, Barbero e tantos outros pode eventualmente fazer comunicação muito melhor. Assim como saber tipografia é um lastro que ajuda, mas alguém criativo, sem nunca sequer ter ouvido falar nisso, pode fazer design muito melhor do quem sabe isso. Mas é como se dissesse "vocês não são nem podem aprender design, por que não fazem esse curso". Então surge uma questão fundamental: se você não acredita na disciplina, como ministrá-la? Ou como pode ministrá-la bem? Nunca, jamais, se ensina, ou se ensina bem, aquilo em que não se acredita. O professor tem que ter paixão em dar aula, e acreditar naquilo. Se não tiver isso, não tem nada. Não há nada pior do que um professor sem paixão. Isso se nota claramente. Você não acredita na disciplina, e não a ensina bem. Nem poderia.
O segundo equivoco é referente à cobrança. Você já disse coisas como "em questão gráfica, eu não posso avaliar vocês, pois vocês não têm esse domínio". Ora, se você não vai avaliar em questão gráfica vai avaliar em quê? Um curso superior pressupõe, sim, avaliação, goste ou não o aluno da matéria. Com todo respeito, mas nós não temos o domínio por que você não ensina. Se ensinasse, talvez tivéssemos. É seu dever ensinar e cobrar, sim, que tenhamos esse domínio. Isso é reflexo do seu “corporativismo”, de achar que só se pode fazer design os que cursam design. Para se ver o quão esdrúxula é essa afirmação, é como se o professor de psicologia dissesse que não pode nos avaliar em relação à psicologia, pois nós não somos psicólogos. Ora, justamente por isso temos uma matéria de psicologia, para aprender o essencial dessa área à comunicação, senão não precisaríamos dela. Fossemos designers não precisaríamos disso também, mas ao contrário, você não ensina o essencial de sua área a nós.

Um outro ponto que acredito ser grave refere-se à chamada profecia auto-realizável. O que significa isso? O professor acredita que o aluno será ruim. Acreditando que o aluno será ruim, ele o torna ruim. Nas suas aulas, pelo menos a partir de minha percepção, você sempre dá mais atenção a uns do que a outros. Sendo uma matéria prática, onde se tem que aprender a lidar com softwares de computador, isso é fundamental. Mas você dá mais atenção aos que se interessam e se dedicam mais. Poderia-se considerar isso natural, não? Aqueles que se interessam e buscam mais, têm mais atenção. Pois digo que deveria ser o oposto. Você diz que o aluno deve mostrar interesse e se motivar. Uns gostam da área, outros não, e você não pode fazer nada sobre isso. Palavras suas. Uma visão, novamente, liberal, ou liberalizante, do ensino. Ou seja, o ensino livre, como cada um o queira fazer, algo próprio do mercado. Isso não é ensino, para a filosofia da educação. É dever do professor motivar. Ora, dar mais atenção aos que se interessam mais apenas reproduz a lógica que já está posta. Aqueles que gostam, você dá atenção (exemplo máximo, o dia que adiou o conteúdo da primeira aula, esperando uma aluna, não é preciso citar nomes, que só chegaria na segunda aula, por que você queria que ela visse o conteúdo, pois ela se interessava!), ignorando aqueles que não gostam, a quem realmente deveria voltar suas atenções.
Boa parte das críticas que fiz, creio, sejam fruto da falta de formação como professor. Há pouco você era aluna, e embora existam em nosso curso bons exemplos de professores estreantes que tiveram postura exemplar de ensino, você não é uma delas. Pessoalmente, acredito que seja necessário para a prática do ensino esse tipo de formação, mas não nego que possam existir grandes mestres sem essa formação. Infelizmente, no seu caso, isso demonstra fazer falta, como em questões de didática, referente ao como ensinar, que é lamentável, para dizer o mínimo. Para pesquisar um tutorial de como fazer algo no Google, eu faço em casa. Professor não é para tirar dúvidas, mas, como já disse, suscitar o desejo pela matéria e discipliná-lo (daí a origem de “disciplina”) cobrando o aprendizado. Sim, essa é uma perspectiva teórica à qual me filio. Existem outras. O triste é que eu sei disso, mas você não, entende? E que diferença vai fazer conhecer perspectivas teóricas em educação para você, pode-se perguntar? Faz diferença, acredite.
Para finalizar quero contar de quando me interessei pelo curso. Olhei a grande do curso na internet, e uma das disciplinas pelas quais mais me interessei foi justamente a parte de “editoração gráfica”. Eu gostava dessa área. Agora não mais. Dentro da psicologia da educação aprendemos, na ótica do behaviorismo de Skinner, que o aluno associa a matéria ao professor. É o professor que faz ele gostar ou não da matéria. Quando entrei no curso gostava de editoração, mas hoje já não tenho tanto interesse pela área. Claro que isso é fruto de uma série de mudanças, mas em parte creio que você seja a responsável. Não digo isso com ressentimento algum, pois eu sou o responsável pelas minhas escolhas e gosto delas. Talvez um dia volte a me interessar pela área. Apenas digo isso pois deve ser dito a bem da verdade. É preciso que digamos as coisas. Na sociologia também aprendemos que todo conceito é relacional, ou seja, é definido a partir de uma relação. O pai só existe pois existe o filho, assim como o aluno e o professor. Mas, ao contrário do que se pensa, a legitimação dessa relação é fruto de definição e reconhecimento mútuo. Quando o filho renega o pai, este deixa de sê-lo. Para mim, a palavra professor sempre teve um peso e um significado muito grande, de importância e reconhecimento. E pela importância que esta palavra tem, apenas gostaria de lhe dizer que você não é professora. Para mim, eu não lhe reconheço como tal. Pelo menos não é isso que você foi, e não é isso que lhe considero. Espero que um dia possa realmente merecer ser chamada assim, pelo bem de seus futuros alunos.


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Edição posterior, 08 de abril de 2011:

Direito de resposta. E-mail recebido, hoje:


Prezado Márcio,
Entro em contato porque a pouco tempo tomei conhecimento da publicação do e-mail enviado para mim em seu blog. Primeiramente,  quero dizer que respeito o seu direito de expressar sua opinião, porém na época não respondi o e-mail  por acreditar que este veículo não é o mais adequado para discutirmos tais assuntos.
No entanto, sempre cumpri meus horários de permanência na instutuição de ensino para esclarecer dúvidas das disciplinas que ministrei, bem como qualquer assunto (avaliação, metodologia de ensino, conteúdo, abordagens, relacionamento professor-aluno, entre tantos outros). Tais horários estavam a disposição dos alunos no site e na secretaria do departamento.
Em sala de aula, também sempre fui uma pessoa acessível e dei abertura aos alunos para colocarem suas sugestões, contribuições, críticas e qualquer assunto pertinente a disciplina e a minha pessoa.
Mesmo assim, estou a sua disposição para qualquer esclarecimento pessoalmente. Para tanto, peço a gentileza que retire este texto do seu blog.
Atenciosamente,
C.D.


Os nomes, aqui originalmente encontrados, já não se encontram, tendo sido substituídos por siglas. Não são necessários, por uma questão, com a qual concordo, de respeito à imagem do outro.

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