Às vezes acho as aulas da Maurini pouco ortodoxas, ou pouco teóricas - sou um sujeito teórico e gosto de teoria. Mas, além de uma pessoa incrível, às vezes ela promove verdadeiros aprendizados. Desses que valem para a vida.
No jornal que estamos fazendo, assumi o papel de editor. Também quis escrever uma reportagem. Enquanto jornalista, criei na minha reportagem um trecho inventado e atribui a um personagem não-identificado (ele não existe pois foi criação minha) uma frase realmente muito boa, que fechava de modo perfeito a reportagem. O trecho: "Eles vem pra cá; nós vamos pra lá", relata um aluno, exemplificando as relações inter-universidades.
Quis a Maurini saber que aluno não-identificado era esse. Contei que era criação. Ela, rindo, disse que isso não se faz. Na verdade, se faz (no dia-a-dia da profissão). Mas tocou o barco em frente. Estranhei, pois esperava que fosse mandar eu suprimir - citação tem que ser identificada. Agora, estamos no processo que todos lêem as reportagens de todos, à procura de erros que tenham passado pela professora e pelo editor. Coube às meninas apontar a incongruência. "Que aluno é esse, o gasparzinho?", disse Thainá, com toda razão.
Fui à Maurini, novamente. Queria saber se deveria cortar, o que fazer. Ela, estranhamente, insistivamente, não me respondia nem que sim, nem que não. "Você vê isso, você decide". Ela apenas me conduziu ao pensamento. Até o momento em que tive diante do dilema: se fosse algum dos meus colegas jornalistas, como agiria, enquanto editor, diante de uma fonte não citada? Nos entre-olhamos por um instante. Cedi, finalmente, à razão. "Eu vou cortar", disse apenas. Ela sorriu, meio que me abraçando. "Ser ético é isso", disse, "É uma droga. É tomar a atitude certa mesmo sabendo que vai te prejudicar, mesmo que do outro jeito estivesse incrível de bom". Também é, eu acrescentaria, escolha.
Escolha. Tivesse ela apenas me corrigido e mandado retirar, desde o primeiro dia, eu acataria. Mas que aprendizado teria sido propiciado? Talvez algum, sim, pois absorvo bem as questões por abstração (sou um sujeito teórico), mas o método que ela usou certamente teve grande efeito. Não impôs uma verdade, mas esperou que eu chegasse a minha verdade, e meu modo certo de agir. Ética, tomar a atitude certa, não é apenas ser obrigado a fazer algo certo, mas ter a opção de escolher pelo errado, e ainda assim escolher pelo certo. Foi o que ela fez. Ainda que, ambos saibamos, criações desse gênero sejam cotidiano na prática jornalistica, estou na academia para aprender o jeito supostamente certo de fazer as coisas. Com dor no coração, afinal a frase era realmente muito boa, a cortei. Também tive um grande aprendizado hoje. Sobre ética, sobre esperar o tempo de cada um. Um pouco como a questão da psicanálise: o terapeuta já sabe qual o problema do paciente, mas nada adianta que ele diga; ele deve conduzir o paciente para que ele mesmo enxerge e reconheça seu problema. Aí então, estará pronto para enxergar. Não adianta tentar mostrar a luz a alguém que não está pronto para enxergar. Uma questão pedagógica interessante. Diria mais, uma questão para a vida. Um aprendizado para a vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário