domingo, 9 de maio de 2010

Coisas espalhadas por aí

Tradicionalmente, o 4º período do CTCOM edita um livro. Hoje, prazo final, mandei os textos para Mérie, a editora do livro. Concebi os textos para a disciplina de "textos jornalísticos" da Maurini. Um deles, uma cronica, ela (Maurini) já havia gostado. Gostado tanto, que publicou em uma área especifica para cronicas que existe no site da UTFPR. Gostei. Me senti orgulhoso. Sempre me sinto assim por coisinhas, às vezes. É bom.
A área, com várias crônicas, está aqui. O link para a minha crônica, no site da universidade, é este.
Segue ela.

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Mariana (ou: não-notícia) 

Mariana não assiste ao Big Brother. Ela estuda Freud e realmente se dedica à sua leitura. Se lhe perguntarem o que sabe de teoria freudiana, talvez não responda tão bem quanto sobre o programa televisivo da Rede Globo. Apesar de não assistir sabe o nome de todas as personagens, as intrigas, romances, entre outras coisas. Assim leva a vida, mediada pelo meio. Sensibilizou-se com os terremotos no país distante, com as chuvas no estado distante. Salvou o planeta, apagando a luz por uma hora.
Mariana acordou numa manhã iluminada de consciência plena. Entendeu tudo, finalmente. Entendeu que nada daquilo que era seu mundo importava. Nem Freud, nem Big Brother. Contaria isso, mais tarde, em páginas rabiscadas, encontradas jogadas no apartamento alugado. Mas consciência de certo e errado de nada adianta, quando outros não a têm, escreveu. Tola ilusão daquele que acha que o seu achar fará alguma diferença, pois ainda que ele ache o que acha, as coisas continuarão acontecendo como dadas pela organização social. Mariana pensou poder lutar contra a organização social posta. Quis diagnosticá-la, quis mudá-la. Lutou por um tempo, sem saber que não há como se lutar contra seu próprio tempo. Estava presa ao pensamento de seu tempo, ainda que seu pensamento voasse mais longe, distante.
Tudo que é dito só é dito, pois referendado socialmente. Algo não referendado, não pode ser dito, muitas vezes sequer pensado. Mariana não sabia disso e pensou. Ousou dizer. Não adiantou. Falhou. Desistiu. Mais uma apenas. Os jornais não noticiaram sua morte. A Rede Globo não deu um plantão. A manchete do UOL não se alterou. A vida humana cotidiana não se encaixa nos critérios de noticiabilidade. Mariana foi uma não-notícia.
O seu sangue escorreu pela rua entre tantos outros sangues da cidade, indistintos. Na mesma esquina onde na noite anterior, bêbado, o filho de um rico batera seu carro, e onde, no dia anterior um mendigo fora atropelado. Estatísticas apenas. Essas, eventualmente, acabarão indo para os jornais, números perdidos em páginas desinteressantes. Mariana morreu, com consciência, da mesma forma que morrem os inconscientes. O sangue não distingue dinheiro nem consciência. Na morte nos encontramos.

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