Todo dia acordo de madrugada para pegar o onibus de Matinhos para Curitiba. O horário de saída dele da rodoviária de Matinhos é 5:45. Ele passa no ponto próximo à minha casa por volta de 5:25, vindo de Guaratuba, antes de chegar à rodoviária. Ele vem de Guaratuba, e é o chamado “pinga-pinga”, pois vai parando de ponto em ponto para pegar pessoas pela estrada. Acordo por volta de 5 da manhã, para poder pegá-lo. Acordo, aspas. Sempre durmo a mais. Ou me enrolo terminando de fazer alguma coisa, arrumar a mochila, etc e tal, antes de sair. Comumente chego ao ponto em sincronia com o momento que o ônibus está vindo, ou passando. Várias vezes já o perdi, e tive que sair correndo para alcançá-lo no ponto após a rodoviária. (felizmente ele faz uma pausa lá, para esperar o horário, o que possibilita que eu o intercepte, dependendo do quão atrasado eu estiver). Algumas vezes eu o perdi de fato, mas acho que não foram muitas. Essa semana aconteceu de novo algo nesse sentido, e é sobre isso que quero escrever hoje.
Saí atrasado, como sempre. Cheguei à esquina, de onde vejo o ponto do ônibus, e o avistei. Já estava parado lá. Dessa esquina até o ponto é cerca de uma quadra e meia. Sai correndo, o mais rápido que podia, gritando e acenando. O motorista já me conhece, por vezes chego atrasado, correndo atrás do ônibus, apesar que não como nesse dia. Pela distancia, creio que não me viu nem ouviu. O ônibus deu partida, e saiu. Ainda estava na metade do caminho, gritando de madrugada, e o ônibus saiu. Perdi. Nesse momento, em seguida, enquanto eu ainda desacelerava da corrida, passava um carro, logo atrás do ônibus. No carro, uma moça, dirigindo, e um rapaz. Disseram que estavam indo pegar o ônibus na rodoviária, para eu entrar que davam uma carona. Olhei por um instante de segundo, e, excluída a possibilidade de serem assaltantes/seqüestradores (sempre o julgamento por aparência/estereótipos, não?!), entrei. O interessante começa aqui (já era hora, né?).
Era um casal muito simpático. Muito mesmo. Comunicativo. De carro, do ponto de ônibus à rodoviária não deve levar nem 3 minutos (calculo aproximado de alguém que é péssimo nesses cálculos de tempo). Mesmo assim, a conversa foi profícua. Os dois são muito simpáticos, mas sobretudo ela. Por exemplo, logo depois que entrei no carro, já foi se apresentando. Dizendo “Eu sou a Marjorie, ele é o Lucas”. São coisas assim, como simpatia, que me encantam, não necessariamente só a beleza, como funciona com 90% dos homens. Ah, mas ela também era bonita. Rsrss. Ela continuou falando. Só ele estava indo pegar o ônibus, ela estava indo levar ele. Não sabiam direito os horários do ônibus; eu, especialista já, falei. Ele ainda ia comprar a passagem. Estava indo para um evento sobre literatura que iria ocorrer na UFPR. Veja só, ele, apesar da aparência jovem (menos de 30) é professor lá da Federal Litoral. Só que é professor de música, e dá aulas para o curso de Artes, que é de manhã. Como estudo à noite e nunca estou por lá de manhã, não o conhecia. Conversamos sobre o projeto pedagógico do setor, como nossos respectivos cursos (Artes e Gestão Pública) já estão ou não estruturados (começaram no mesmo ano, 2008), como os alunos ainda estão se adaptando à inovação do setor, etecetera e etecetera. Chegando à rodoviária, desci, agradeci a carona. Ah, detalhe engraçado: ela foi seguindo com o carro o trajeto do ônibus. O ônibus entrou no terminal de embarque/desembarque, e ela entrou atrás com o carro. Só se deu conta, só nos demos conta, quando já estava entrando. Como 5 da manhã em Matinhos é deserto, e na rodoviária de lá não tem uma “guarita”, como na rodoviária de Curitiba, ela entrou e estacionou num daqueles lugares reservados para os ônibus. Eles mesmos riram. Muito divertido. Desci, dei tchau. Fui pegar o ônibus.
Enquanto aguardava o motorista vir de sua pausa para destacar meu ticket, pude observar a despedida deles, que é justamente a cena memorável que dá título a esse post. Ele foi ao guichê, comprou a passagem, e depois, voltou até ela, que aguardava com seu carro estacionado numa das vagas de embarque/desembarque de ônibus. Ela usava uma espécie de pijama. Calça azul, camiseta branca. Um belo e encantador pijama. Não sei o que falaram, só posso imaginar. Às vezes isso é bom, como o som de uma ópera, que tão divina de bela, é melhor não saber o que aquelas palavras dizem, pois perderia seu encanto mágico. Falaram alguma coisa, e se abraçaram longamente. Um abraço gostoso, apertado e profundo. Queria ter registrado aquela cena, pois era realmente bela. Minha inócua verborragia não dá conta dessa beleza. Não dá conta pois a beleza não estava só na cena em si; a lua cheia, absolutamente bela e onipresente, a luz amarela do poste perto da rodoviária, ou mesmo suas expressões. Tudo isso compõe e colabora com aquela beleza, mas a beleza em si estava no sentimento. Sentimento, que estava transbordando, quase visível a olho nu. Os dois amantes que se despedem com um longo abraço mesmo que irão ficar afastados só um ou dois dias. Não sei, se eles de fato eram um casal. Mas é, novamente, como o caso da ópera. Prefiro acreditar que sim, pois belo me parece. Acho que por isso não me daria bem sendo fotógrafo, apesar de gostar disso, como hobby. Queria muito registrar aquela cena, eternizá-la. Estava com a câmera digital na mochila, mas nem me passou pela cabeça pegá-la. Não poderia conspurcar aquela cena. Sou ético demais em relação aos sentimentos alheios, para fotografá-los. Queria ter uma câmera no olho, que pudesse tirar fotos com o simples olhar, e guardar aquela imagem para sempre. Isso ainda não existe, e mesmo que exista um dia, certamente não tenha graça. Não tanta como tem a beleza de nossa memória. Dessas cenas, bonitas, que guardamos na memória e às vezes eternizamos nas palavras. Que sejam sempre belas e memoráveis, as cenas e as palavras que as retratam.
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