sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Sobre leis

Essas semana ouvi algumas críticas ao Estatuto do Torcedor, recém-aprovado. Várias, na verdade, como algumas coisas esdrúxulas. Me deterei apenas sobre alguns pontos que me chamaram a atenção. O primeiro é que, tudo que o Estatuto diz, o código de defesa do consumidor e outras leis já davam conta. Me retorna à mente um velho tema,que gosto: leis redundantes. Há uma certa mania (não é nacional, pois existe o mesmo em outros países) de fazer o que chamo de leis redundantes. Ou seja, fazer uma nova lei para algo especifico que uma lei mais ampla e abstrata já dava conta. Em se tratando de leis, eu sou bem liberal (no sentido do liberalismo político, mesmo). Penso que a Constituição deve ser mínima e perene, tal qual a dos Estados Unidos. Sim, estou elogiando os Estados Unidos. Apesar de geralmente criticá-los, naquilo que julgo que têm que ser criticado, também sei elogiar. Considero a Constituição norte-americana um exemplo: não é alterada desde sua assinatura. Cumpre aquilo que a palavra diz: constitui princípios fundantes. A Constituição Brasileira é uma aberração. Tenta versar sobre tudo. Até os impostos que o país cobra está na constituição! Veja, os impostos, algo que muda frequentemente. Uma Constituição que nada constitui ou funda, pois é alterada todo ano. Isso, para mim, não é Constituição. Retomando o raciocínio. Leis têm que ser abstratas e dar conta de um grande número de questões. Ora, é uma tolice querer fazer uma lei para cada situação especifica. Por exemplo, os negros e os gays vivem reivindicando leis contra preconceito, para protegê-los. Mas ora, já há leis contra o preconceito no Brasil. As que existem já dão conta disso. Por que é necessário algo específico? Não é. Em algumas questões sim. Por exemplo, a imprensa. O Supremo, ano passado, derrubou a lei de imprensa pois alegara que o código civil e penal já dava conta das questões. Em parte apenas, mas penso que para uma questão assim seria necessário uma lei especifica, como a que havia. 
Então, retornando ao Estatuto do Torcedor. Também há algumas coisas estranhas, um tanto esdrúxulas, como já disse. Diz, por exemplo, que o torcedor não pode mais xingar no estádio. Questão fundamental: ora, como se vai controlar isso? Há um velho ditado, muito bonito e sábio, que já usei na vida diversas vezes em outras situações, que diz: "se quer que uma lei não seja cumprida, faça-a rígida demais". Este é, também, um dos princípios fundamentais do Direito. As leis têm que ser aplicáveis e cumpríveis. E devem poder ser fiscalizadas. Por exemplo, não adianta fazer uma lei dizendo que todo carro tem que sair de fábrica capaz de voar (exemplo tosco, que pensei agora) pois isso não existe, é impossível. A lei tem que versar sobre o real, e deve poder ser cumprida, não pode exigir demais do cidadão. E, ao mesmo tempo, o Estado (cujo representante é a polícia) deve poder fiscalizar e punir. O que acontece com leis que não são cumpriveis ou fiscalizáveis? Simplesmente desaparecem, caem em descrédito. E não são cumpridas em seu todo. Sintetizando o pensamento: leis devem ser moderadas, pois aí serão cumpridas. Leis rígidas demais não são cumpridas nem nos seus pontos rígidos, nem nos seus pontos moderados; ela cai como um todo. Veja, não estou inventando a roda, esse é um pensamento clássico do direito e da ciência política.
Outra questão que vejo com maus olhos, e que remete diretamente à questão anterior, é esse sentimento politicamente correto que reina hoje em dia. Querer disciplinar xingamentos ou não que são feitos é uma coisa que, sinceramente, não compete ao Estado. Mas não é só nessa questão. No vestibular e congêneres (dos regulados pelos entes federais) há toda uma preocupação com Direitos Humanos, não ferir, ofender, bla-bla-bla. Há, de fato, esse sentimento do politicamente correto em nosso tempo. Isso se vê refletido, por exemplo, que na Federal Litoral, não podemos fazer trotes com os calouros, pois "ofende os direitos humanos". Ora, acho isso uma grande palhaçada. Alguns pontos desse Estatuto refletem esse sentimento contemporâneo. 
Como lei, é uma grande perda de tempo, uma vez que as questões já estavam contempladas. Mas aqui há uma característica importante, que é a noção de Estatuto, e por isso acho que essa lei valeu a pena. O Estatuto não é apenas mais uma lei apenas. Ele funciona como um tratado, uma carta de princípios para dizer àquele "público": estes são seus deveres e direitos, aqui estão as regras. Serve para constituir aquele grupo. (Parênteses; uma observação, apenas para deixar claro. No rigor do direito, lei e estatuto são rigorosamente a mesma coisa, têm o mesmo peso. Digo isso, sobre o Estatuto, a partir de uma lógica "filosófica"). O Estatuto do Idoso é um belo exemplo disso. Questões que também já estariam contempladas por outras leis, mas que passaram a ter um novo enfoque e um novo olhar a partir da constituição dessa carta de princípios. Ora, quem sabe, não vale a tentativa, não é mesmo?

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Oscar Wilde e a mediocridade

Ok, este é um post que havia começado a escrever há algum tempo. Deixei sem terminar, por alguma tolice, provavelmente. Acabei agora. Fiz algumas adaptações para o tempo soar coerente com o hoje, ainda assim, talvez pareça destoante. Era o último nessa situação (rascunhos não finalizados). 
Alguns posts atrás (bastantes, na verdade.. rsrss) escrevi sobre o equilíbrio e Jung. Isso me lembrou (sempre lembro) Oscar Wilde, e uma frase que gosto muito, e que está em completa consonância com o pensamento anterior. A frase é “Só os medíocres dão o melhor de si todo o tempo”. Lembro dela, quando vejo amigos se preocupando demais com algum trabalho para a faculdade que não era tão importante assim; lembrei ao fazer “nas coxas” um outro trabalho de importância igual. Semestre passado, comentei com o Mario, parceiro nesse trabalho desimportante “Está uma merda, mas a merda possível de ser feita”. E não é que a merda possível de ser feita foi aceita como excelente pelo professor? Retornando à frase. O que ela significa? Significa que quem é ruim, ou medíocre, sempre dá o melhor de si, pois o melhor de si sempre é medíocre. Quem é "grande", ou significativo, não dá sempre o melhor de si. Ele sabe distinguir os momentos que merecem o melhor, e então ele pode ser grande, e os momentos que não merecem que ele dê seu melhor, e portanto ele pode dar seu pior, e talvez até seja considerado bom pelos outros. A sabedoria está em saber distinguir o que cada momento pede e mereçe, saber dar seu pior e seu melhor, mas não sempre o melhor, pois ninguém é sempre grande. No inicio da faculdade eu estava sempre preocupado com todas as matérias, já semestre passado, apenas uma, talvez duas, levei a sério. Acho que aprendi a distinguir. E espero continuar não dando o meu melhor. Só às vezes.

Carência

Minha amiga Sissa, algum tempo atrás, numa mesa do shopping estação, comentou sobre certas atitudes minhas "você é muito carente social". Concordei com ela, na mesma hora. Continuou: "você faz muita coisa pela aceitação social. Assim você não vive". Retocaria um pouco sua frase: diria integração, não aceitação. Mas enfim, de certa forma, é verdade. Me recordo de outro momento, dessa vez no jucs. Sentado na platéia, ao lado das meninas, alguem pergunta: "Você está carente?" Respondi: "Eu sou carente". De fato, como disse a Sissa, sou muito carente social, embora esse sentimento vá e volte, intermitente. Mas busco não sê-lo. Uma dessas atitudes em busca de integração são as figurinhas da copa, semestre passado. Instado por amigos, que estavam colecionando as figurinhas do album da copa, começei a colecionar também. Isso trouxe de volta boas recordações de minha infância; há muito tempo não fazia isso. Gostei de colecionar, em parte pelo ato em si, mas pelo ato de trocar as figurinhas, momento social propiciado pelo album da copa. A copa passou e acabou. O album está jogado num canto, em meio ao caos que é meu quarto. Incompleto. Provevelmente assim permanecerá.

Sobre lugares

Cada pessoa tem um lugar no mundo. Por lugar, entende-se aquele onde diga "esse sou eu". Onde se sinta por completo. Esse é um pensamento comum, que já ouvi em algum lugar mas não me recordo onde. É um pensamento que acho bonito, do ponto de vista filosófico. Mas não sei se tenho um lugar. Dia desses saí com amigos. Não gosto desses lugares, tradicionalmente considerados de "homens". Sabe, essa coisa um tanto vulgar, popular, em que homens tentam "pegar" mulheres, só falam a respeito dessas, como se fossem objetos, como se fosse o único propósito da vida. Não gosto dessas coisas populares. Não quero ser preconceituoso, talvez seja, mas apenas não gosto. Aqui em Matinhos tenho alguns amigos da turma GLS, que por sinal faz tempo com os quais não falo. São mais interessantes que a primeira categoria, como pessoas, mais abrangentes. Mas também não é quem sou. Talvez o mais próximo que já tenha chego desse sentimento de completude, de estar totalmente adequado com seu ambiente, foi conversando sobre educação com Giovanna e Flávia, no Intercom. Bons momentos. Não pertenço a um lugar, uma categoria, por assim dizer. Não sou imbuído completamente de nenhum pressuposto, seja isso bom ou ruim. Como já disse Bion, quando o individuo não se integra completamente a uma cultura, aceitando seus pressupostos de forma inquestionável, ele nunca está totalmente integrado ao grupo. Acho que essa é a questão. Sou questionador demais, e não me integro a nenhuma cultura ou grupo. Dessa vez, é Bion quem explica. Podemos chamar do que quiser, cultura, grupo, ou lugar, como estou chamando. Gosto desse termo. Não consigo lembrar de onde é. Empreguei um tom meio triste nesse texto, mas não é isso. Apenas não me sinto pertecente ou completo em nenhum desses lugares. Um dia ainda acharei.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Sobre mentiras e verdades

Faz tempo que esse tema está na fila dos rascunhos para ser escrito. Época de eleições e sempre pululam as mentiras. O uso da mentira como arma político-eleitoral não é novo. A frase de Goebbels sobre a mentira tornar-se verdade já é mais do que senso comum. Sem falso moralismo, a apesar de sua desumanidade, gosto de Goebbels e de suas teorizações sobre a comunicação. Sabe, eu sou um pouco contraditório. Sou o cara que ama o "dever ser", quer lutar e quer acreditar num modelo político ideal e moralmente justo e ético. Amo o jornalismo por, não somente mas em boa parte, seu lema, um tanto utópico: "em busca da verdade". Mas também acredito na mentira. O que quero dizer? Bom, serei breve, pois o tema já esfriou. Existem mentiras dos dois lados, mas, sem partidarismos, a direita sempre foi bem melhor nisso. Ou sempre usou mais isso. Até por que sempre teve a imprensa a seu lado, o que ajuda a tornar a mentira verdade. Agora a esquerda também passa a usar a mentira. Um case bem interessante é esse aqui (infelizmente, já removida, averiguo). Fala sobre, supostamente, um pedido do PSDB de proibição da música Últraje a Rigor em que tem uma verso que diz "mulher pra presidente" por que eles acharam que era propaganda favorável à Dilma. A notícia circulou por um tempinho, mês passado. Infelizmente, agora acabou, esfriou. Era mentira, o PSDB não fez tal pedido. Se me importo com a mentira se propagar? É claro que não! Eles usaram a tática durante tanto tempo, vamos usar também.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Por que as pessoas não gostam de responder aos porquês?

Interessante quando estamos no onibus ou andando pela rua ou em qualquer lugar público e cruzamos com as pessoas ou paramos ao seu lado por um momento e ouvimos trechos de suas conversas. Eu, pelo menos, gosto muito desse exercicio de capturar pequenos recortes de suas vidas cotidianas. Outro dia, na rua, passei por dois homens conversando. Capturei uma frase, de um deles, que disse: "essa fase do porquê do Rafael está foda". Presumo, um tanto evidentemente, que Rafael é o filho pequeno daquele homem e está na fase do por quê, que toda criança tem em seu desenvolvimento. Fiquei pensando: por que as pessoas não gostam de responder aos porquês? Eu rio de mim mesmo, pois tenho ainda esse lado bem forte. Sempre desejo saber o por que das coisas, entendê-las, desvendá-las. Acho um movimento normal, coerente, de tentar racionalizar as coisas, entender os porquês do mundo. Uma vez que o porque do outro é sempre subjetivo, não tenho como adivinhar, prever, deduzir. Pergunto. E as pessoas se incomodam em responder. Se incomodam com um adulto lhes perguntando, e se incomodam, como o pai desse exemplo, mesmo com crianças, que é ainda mais natural. Penso que vai ser uma situação um tanto engraçada, quando tiver meus filhos. Bom, talvez eu mude meu jeito de ser, até lá. Mas se eu for como sou hoje, acho que questionado sobre o porque de algo, sentarei diante de meu filho e tentarei analisar todas as implicações da questão. Depois lhe explicarei, em pormenores. Afinal, por que não conversar racionalmente com uma criança? Bom, ou enlouqueço o garoto ou ele crescerá e se tornará muito inteligente. Rsrs. Estou, claro, construindo aqui um esteriótipo de mim mesmo. Mas tem algo que nunca desejo fazer, que é reprimir seus questionamentos do mundo. Quero que meu filho, assim como eu, se pergunte por toda a vida: por quê?

domingo, 1 de agosto de 2010

Um elogio à Mérie (Ou: Sobre histórias universais)

Minha amiga Mérie tem escrito uma série de cartas e publicado em seu blog. 30 cartas em 30 dias, é o projeto. Belíssima sacada, que pode ser conferida aqui. Já escrevi aqui o quanto aprecio as velhas cartas trocadas entre amigos que tornam-se peças arqueológicas e partir das quais se resgata(m) a(s) história(s), recurso muito comum aos escritores, mas não só; são famosas as cartas entre Marx e Engells, em que o primeiro vivia lhe pedindo dinheiro para o sustento, ou as cartas de Churchill sobre os subterraneos do gabinete de guerra. Mas não é sobre isso que quero tratar hoje. Quero ressaltar um aspecto que gosto muito na escrita da Mérie, que é a não-nominação dos personagens. A maioria das cartas que tem escrito são nomidadas, para alguém especifico. Mas há outras em que a menção ao destinatário se faz ausente. Não significa que não é destinada a alguém, apenas que esse alguém não está identificado no texto, como se dissesse: a pessoa saberá que é para ela. Isso gera um outro fenômeno, que é a identificação do público, como um todo.
Deixa eu contar uma história que exemplifica isso. Quando Fernando Meirelles estava começando a filmar seu "Blindness", adaptação para o cinema do "Ensaio sobre a Cegueira" de José Saramago, o cotado para o papel principal era Sean Penn. As conversas tinham progredido, e estava quase tudo certo, mas Sean Penn desistiu do papel pois ele, como ator, não conseguia construir um personagem sem nome nem passado. Para quem não sabe, todos os personagens no livro de Saramago (e no filme de Meirelles) não tem nomes e são identificados de outras formas, como "o médico", "a mulher do médico", "o ladrão", e assim vai. Também nenhum deles tem uma história ou um drama pessoal prévio. Então adentramos finalmente a uma grande controvérsia nos estudos da narrativa, seja literatura ou cinema. Existem duas perspectivas que se opõem, em certa medida. Uma diz que o personagem precisa de uma história prévia, para gerar empatia com o público. O público só se sentirá envolvido com o personagem a partir de sua história e seu drama pessoal, por suas características. Esse pressuposto, da história prévia do personagem, é imprenscindível para a catarse. Catarse, a grosso modo, é quando o público se projeta no personagem, sofre junto com ele e se realiza junto com seu final feliz (ou realiza, e virtualmente expurga, seus desejos macabros, como em filmes de serial killers, e por aí afora). Contudo, há uma outra postura possível, que diz que os personagens não precisam de uma história prévia para gerar empatia no público e mesmo conquistar suas "projeções". Quanto mais aberto o personagem, com menos história pessoal, mais chances haverá do público se identificar e se projetar nele. Segundo essa postura, o público se envolve com a história a ser contada e que se dará no decorrer da narrativa, não com as histórias prévias. Informações extras, quando não modificam a narrativa, pelo contrário, atrapalham o publico a se envolver com a história (isso nos remete à comunicação: nem sempre mais informação, é melhor). Por essa postura, os personagens devem ser mínimos, propiciando que o público se enlaçe à história, na narrativa. O que eu penso é que, na verdade, as duas posturas estão corretas. Tudo depende do momento e da intenção do autor. Histórias prévias são importantes em determinadas histórias, quando se está reconstruindo a história das gerações de uma familia, por exemplo, para se criar a catarse. Personagens abertos são bons em outras, mais intimistas, em que se busca a identificação do público com (aspectos psicológicos do) o personagem. Personagens abertos, sem história, sem nome. Nesse tocante, e finalmente chego à Mérie, gosto muito desse recurso, dessa segunda perspectiva. Alguns de meus filmes preferidos usam esse recurso. "Blindness" é um exemplo. "Cães de aluguel" é outro. Certamente há mais, mas reconheço que é bem pouco usado. Penso o seguinte: o que importa, para o público de "Blindness" se o médico chama-se José ou João, se vem de família nobre ou emergente, se era bem sucedido ou frustrado, e demais informações? Sean Penn precisa delas, tudo bem, mas para mim, são completamente inúteis. Quanto mais você define, mais você limita. Se o personagem chama-se "o médico" é uma história universal e pode ser contada em qualquer lugar do mundo, tocar a todos. Se o personagem se chama "João", então é uma história de lingua portuguesa, e falantes de outras linguas já terão uma limitação na identificação (o mesmo vale para em que lingua for). Se o personagem é rico ou pobre, outra limitaçao na identificação. E assim vai. A história de Saramago é genial pois é absolutamente universal, mas não é de Saramago que estou falando, é da Mérie.
E por que estou falando isso tudo? A Mérie usa, muito bem, esse recurso de identificação. Em algumas de suas cartas fala diretamente com seu interlocutor, sem nomeá-lo: "você" isso e aquilo. O leitor transeunte pára e lê a carta, como se fosse para ele. Uma vez que não há identificação do destinatário, poderá se projetar facilmente em seu lugar. Mas isso é um exemplo menor. O mais interessante, e já disse isso para Mérie, é a protagonista usual de suas histórias. Definida apenas como "ela". Mas quem é "ela"? É ela, ué. A personagem não tem nome. É uma personagem, ficção, ou está escrevendo sobre isso mesma? Um pouco de cada, já disse Mérie. E aí está a grande sacada. As histórias são narradas na terceira pessoa, mas não há o narrador onisciente; elas são contatas a partir do ponto de vista da personagem. Há duas grandes vantagens nisso. Primeiro, a narração em terceira pessoa seguindo um personagem único propicia o aprofundamento psicológico da obra no personagem. Torna-se pessoal, como se fosse em primeira pessoa, mas o narrador pode dizer coisas sobre ele que o próprio eventualmente não teria "consciencia" de fazê-lo. Nesse sentido, do uso desse recurso e guardadas as devidas proporções, me ocorre agora, lembra "A estória de Lélio e Lina", de Guimarães Rosa, que li semestre passado. A segunda vantagem nessa narrativa é que ela evita o uso do "eu", que dependedo de como utilizado pode gerar antipatia no público, passar a idéia de arrogancia ou sentimentalismo excessivo, gerando afastamento no público, embora esse recurso também possa ser muito bem usado, como nos textos da Thai. Esse evitamento, abre margem para uma saudável dubiedade de interpretações. Haverão os que acreditem que ela fala sobre si própria. Se for assim, genial, pois pode contar coisas sobre seus sentimentos sem se expor; não é ela, autora, mas ela, personagem. E enquanto personagem, um personagem muito bom para conquistar a identificação de seu público. Se ela tivesse um nome, Maria, Joaquina, Josefina, ou seja qual for, se trataria de um personagem, devidamente caracterizado. Mas ela, personagem não-nominado, pode ser qualquer uma, inclusive o leitor(a). O estilo das coisas que são escritas, predominantemente sentimentos, também compõe o cenário que faz do texto um bom texto. Esse recurso, em si, nada significa se o texto dela, autora, não fosse bom. Então, tratando-se de sentimentos, emoções, que todos temos, e sendo ela, personagem, um personagem não-nominado, o leitor lê, e poderá dizer: sou eu. Um personagem universal. Tão universal como a história de Saramago.