Ontem foi dia das eleições no Brasil. Embora eu possa dizer, com orgulho, que elegi a primeira mulher presidente da república, tudo isso que se refere à política, para mim sempre tão importante, se relegou a um segundo plano, desde sexta. Há certos momentos que marcam nossa vida. Aqueles momentos decisivos, que você sabe que serão lembrados como marcos de mudança de rumos. Esse é um desses momentos.
Havia me inscrito para o Intercâmbio, pela Federal, há alguns meses já. Faz umas duas semanas, saiu o resultado dos 100 selecionados (dos 5 mil inscritos) para o intercâmbio. Eu estava na lista. Fiquei feliz, pois estar naquela lista já era uma vitória, mas não comemorei, pois não poderia ir, bancando do próprio bolso os custos. A lista dos que ganhariam bolsa de estudos seria divulgada nas próximas semanas, sem data marcada. Por dias fiquei entrando no site em busca do resultado, e nada. Eram 20 bolsas por fragilidade econômica, para a qual nem me inscrivi, e apenas 10 bolsas por mérito acadêmico, que estava tentando. A esperança sempre é presente, mas a probabilidade numérica não era favorável.
Sexta a tarde cheguei cerca de 10 minutos mais cedo no estágio, como tem sido costume. A sala estava vazia, os outros ainda não haviam chego. Fui abrindo os sites de costume, e-mail, etc. Resolvi dar uma olhada no site da ARI. E lá está, desde o dia anterior, edital de divulgação das bolsas. Frio na barriga. Clico no PDF e espero carregar. Hesito um pouco, antes de olhar. O documento abre e têm quatro páginas. Sei que os eventuais alunos do Setor Litoral estarão listados mais para o fim, nas últimas páginas (ordem cronológica de criação de campus), mas vou descendo aos poucos, linha a linha. Cada novo setor que aparece, um frio na barriga. Desço linha a linha, até encontrar o título da secção "setor litoral". Desço mais uma linha e encontro um outro nome que não o meu, Jhonantan. Outra linha, e há apenas o fim do cabeçalho, com os dados da universidade (rua, etc, aquelas coisas padrão de fim de página). Dou um suspiro, viro para lado e olho para baixo. Decepção. Penso "Tudo bem, deixa pra lá. Não deu, era difícil mesmo". Após uma pausa, volto ao computador. Rolo a página rapidamente e despreocupado para baixo. Vejo de relance que há, na página seguinte, mais informações do setor litoral. Apenas a página anterior havia acabado, não os dados. Subo a página, para conseguir visualizar. Encontro meu nome: M [removido] C [removido] C [removido]. Só consigo prender a respiração, quase sem acreditar, instantes depois da desilusão de acreditar ter perdido a chance. Com a sala vazia (e creio teria a mesma reação se não tivesse), ajoelho-me no chão e apenas sussurro: "Obrigado, Meu Deus". Obrigado, meu Deus. Volto ao monitor, para conferir, ler de volta. A partir daí, o resto é história. A sensação é similar a de passar no vestibular, mas um vestibular imensa e absurdamente mais concorrido. Estou imensamente feliz, e creio que ainda sem acreditar direito, sem cair a ficha, em pensar que em alguns meses estarei embarcando para a Europa, para estudar lá, com tudo pago pela Universidade. É uma oportunidade única na vida, e estou imensamente feliz por tê-la.
A felicidade de uns, dizem, é a tristeza de outros. E é triste que para que existam vencedores tenham que existir derrotados. À tarde, no ônibus de volta para Matinhos, encontrei Rick. Alguém que é extremamente gente boa, que, assim como eu, havia passado na primeira etapa e esperava a bolsa. Não conseguiu a bolsa. Por coincidência, sentou-se justamente ao meu lado. Situação um pouco incômoda e conversa um pouco estranha, no inicio. Mas ele é de boa, e conversamos normalmente. Me desejou boa sorte e eu a ele, que não esmoreça. O inusitado e inesperado encontro me fez refletir sobre seu significado. Como não acredito em coincidências, só posso interpretar isso como algum sinal divino, que queira me mostrar algo. Não sei bem o que ainda, embora pense nisso. Talvez me mostrar a desigualdade e injustiça do mundo. Talvez um sinal para que eu não desperdiçe a oportunidade e a aproveite ao máximo (e é o que pretendo fazer), pois outros também queriam e não conseguiram. É para se refletir, embora não abandone minha alegria por ter essa oportunidade.
Começei o post dizendo que, diante de minha alegria pessoal, o resultado das eleições havia perdido a importância. Emocionalmente, sim, e nem poderia ser diferente. Mas na verdade é muito pelo contrário. O resultado das eleições só ganha importância. É por causa de medidas adotadas pelo governo Lula de incentivo à educação que hoje se concedem bolsas de estudo e sou um dos beneficiados. É por causa da política que estou tendo a oportunidade de estudar numa universidade pública e agora terei a oportunidade de fazer um intercâmbio no exterior. Posso agradecer a Lula, mas também fazer mais do que isso. Quero que se amplie o incentivo que já existe para que, um dia, não precise haver a situação de que uns precisem ficar pelo caminho e ter seus planos relegados. Que todos que desejarem estudar, no Brasil ou no exterior, possam. Dirão ser utópico, mas aos poucos vamos conseguindo isso. Um dia, e irei batalhar por isso. Por agora, só posso esperar cair a ficha, e desejar aproveitar ao máximo esse tempo e essa oportunidade. Obrigado.